domingo, 23 de novembro de 2008

Anotações 07 - O aplauso desmancha a tensão provocada pela peça...


Botei aqui, em 14 minutos marcados, o que eu penso sobre ensaio e apresentação. Quando defendo a apresentação única, não tô dizendo que não se deve repetir o processo de fazer. Mas que lição a gente tirou?



  • A gente pode tentar fazer e se fez.

  • O ato de ensaiar é como aquecimento. Não quer dizer que se vá jogar assim.

  • A apresentação nunca é a mesma mas as pessoas fingem ser. As pessoas riem, ficam raivosas ou sérias porque notam o que se espera delas.

  • As coisas mudam naturalmente e não devemos nos assustar com as mudanças.

  • Não se assustar se um dia o público ri numa determinada cena, e noutro dia não. Os atores levam a família pra bater palma pra eles. Então não é preciso fazer nada. É só esperar pelas palmas. O aplauso desmancha a tensão provocada pela peça, o instante mágico em que se separa a peça da vida.

  • Não havendo o aplauso, a energia não se dilui na vida, sobe para a consciência. Mas os atores não deixam fazer. E isso é uma verdadeira intervenção federal. Depois falam da censura. Os meus espetáculos são claramente uma procura.

Anotações 6 - Avisar pelo jornal que se vai fazer a Nau Catarineta, os interessados que se apresentem...

Chico:

Minhas idéias de teatro são pobríssimas. Um prédio. Uma peça. Quero me associar às pessoas que querem fazer.

Tenho uma idéia vaga do cenário: Uma corda, um cabo grosso que saísse do teto, do infinito e se desmanchasse num rolo. Uns barris. Um ambiente sombrio, mas preciso. Dar uma idéia de navio e também uma de interior. Penso também em outros elementos: Escrever no chão do galpão, fazer umas aparições. Fazer um espetáculo parado.


  • Sistema de iluminação: No sentido de se dar um certo balanço de Nau. Grupo de holofotes apagando-se alternadamente nas laterais. Os do meio ficando sempre acesos.

  • A partir das pessoas que se reunissem para fazer essa peça, pensaríamos na possibilidade de se fazer uma entidade (a Cooperarte).

  • Para fazer os 3 médicos, ensaiaríamos primeiro, diversas situações sem o texto, com a finalidade precisa de se saber uma coleção de gestos a serem depois usados com o texto: a barbearia, o padre.

  • Como continuar? Para os próximos cursos: Monitor, Bolsa de trabalho, Estágio.

  • Quero montar a Nau Catarineta, do Altimar Pimentel. É uma esperança. A peça é um auto-de-espera. O Alexandre, o Dod, eu Chico, o Altimar se reúnem inicialmente. Depois avisam pelo jornal e todas pessoas que se interessem pela idéia se apresentam.

  • Quem se emocionar com a possibilidade de apresentar uma peça pulsante, bonita, se apresenta e depois continua. Estou encantado com a possibilidade de se fazer um espetáculo bonito.

Anotações 05 - Colocar em cena o livro do qual a peça foi erguida...

Antes da apresentação dos 3 médicos

Chico:
É o seguinte, o André atrapalhou a peça dura muito tempo. Agora é a Ana. Há também os que não aparecem. Esses não se comprometem.
Precisamos liberar o texto. Liberar o espetáculo.
É preciso colocar em cena o livro do qual a peça foi erguida. É preciso a presença de alguém lendo. Quem lê está fazendo a celebração do espetáculo. O livro do qual a peça foi erguida...
- É um livro?
Chico:
Você duvida? Duvida que é letra de livro?
-
É de máquina.
Chico:
Veja então as páginas numeradas.
- Pode ser uma revista.
Chico:
Você já viu uma revista de 250 páginas?
- Já.
Chico: Revista médica, científica?
-
Catálogo.
Chico: E você já viu uma peça num catálogo?
-
Não.
Chico:
Então não há dúvida. Essa peça tá num livro.
- Quem lê não representa?
Chico:
Representa. Representa o papel de ler. Uma idéia: Podemos ser cartazes vivos. Mas não sejamos a grama. Nem atrapalhamos a ordem. As iniciativas que tomamos devem combinar coletivamente. Fazer a peça com os atores carregando e descarregando um caminhão de coca-cola. Moral: Enquanto vocês trocam frases de emoção a Coca-Cola faz distribuição.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Anotaçãoes 4 - Inventar o gesto e, depois, dar o sentido

Segundo semestre de 1976
Texto sem marcação de dia e mês

Precisamos passar a descobrir os gestos escondidos. Eles são mais ricos, mais precisos. Descobrimos e incorporamos. Estou muito alucinado?

O que temos feito é inventar o gesto, e depois querer dar o sentido. Então, qualquer gesto regula as frases da vida. Mas o caminho é descobrir os gestos que já tem sentido e usá-los.

Ser Sepulto - A única marcação era os atores conversando com a platéia.

  • Vou confessar: Só vou conseguir fazer teatro do jeito que estou pensando se conseguir a credibilidade de vocês. Tenho umas crendices contra as quais vocês lutam: ler a cultura brasileira; os costumes; as tigelas...

    As inconsciências para mim, eu vejo na cara. Aí eu vou e destruo. Isto aqui é uma cartase para mim. Senão eu morro. Preciso disso.
    A apresentação/ensaio que fizemos dos 3 médicos representou uma vergonha para a casa. O que a gente faz para acalmar isso?
    O vice-reitor viu. E ficou legalizado. Se se está inocente.
    Não pode continuar assim, esses pássaros inocentes. É preciso sujar as asas. O convite aí fora é o da ordem, da clareza. Nas para existir essa ordem é preciso que ela seja perturbada para ser novamente restaurada. Quando as coisas estão congelando têm que assustar. As lições que tiramos da apresentação que fizemos:
  • Podemos fazer teatro.
  • Só se soube que fez teatro depois da apresentação.
  • O que diferencia o ensaio do espetáculo é a presença do público.
  • Ficou bem claro que o público dirige o espetáculo.
  • Durante todo o tempo passamos teimando com as coisas que fazíam.
  • Partimos de uma idéia arbitrária: Decorar o texto. Depois passamos a ser mais espontâneos.

    Coisas que podemos pensar para o curso do próximo semestre
  • Monitoria, bolsa de trabalho, estágio.

Para agora:

  • Formar um grupo para montar Nau Catarineta. Peça cantada na base de coros. Quero fazer um espetáculo bonito. Inquebrável. Mas transparente, como se fosse de vidro. A estrutura do galpão se presta a dar idéia de uma Nau. O teatro escuro, só uma réstia de luz. Transar uma de cheiros, incensos. Um espetáculo: Azul/Matreiro /Que dê calafrio /Pausado
  • Fazer uma coisa diferente das irresponsabilidades que existem por aí. Fazer com trabalho. Quero fazer também uma ópera nordestina. Mas isso é outra conversa.

Anotações 3 - Aconteceu e o incessante continua...

Segundo semestre de 1976
Texto sem marcação de dia e mês

Chico - Alguem já disse: Não sou teórico das coisas que eu faço. Minha teoria é não ter teoria. Sou uma ordenada, sistemática, racional. As coisas mudam quando eu aqui chego, e mudam também pra obra da minha ausência.

  • Havia, há aqui, um convite para se fazer as coisas sem pensar. Ninguém ta disposto a conversar.
  • O discurso agora é violento, imposto. Há o abandono da persuasão. Não há também vontade de cooperação.
  • A gente passa a vida toda elogiando nos bons jogadores, mas eu também sou um bom jogador. Bons jogadores quando atuam são capazes de mudar as coisas positivamente. Porque as mudanças que ocorrem quando eu chego têm que ser necessariamente negativas?
  • A peça aconteceu. Aconteceu no meio de outras. E o incessante continua. Não sei o que é estar consciente, o que é inconsciente. O que eu vejo: A história, a ciência me diz, que há coisas que acontecem no estado de consciência e outras num estado de prontidão para as coisas.

Gustavo dá uma gargalhada

Chico - Quando não gosto, gozo, brinco, depredo. Eu queria escandalizar um pouco mais. Eu realmente sou inteligente, pessoa de qualidades excepcionais. Meus palpites não são aceitos. Os palpites de Rui Guerra são aceitos, e é uma pessoa menor que eu. Sou humilde, simples. E acho a modéstia uma doença. Sou uma personalidade asfixiante até certo ponto.
Já fiz vários testes, eu sou uma personalidade excepcional. Sou um indivíduo extremamente crítico. Muitas coisas que eu tento fazer, não consigo. Há uma intranqüilidade para se dar opiniões. Tenho uma solidão horrível para se conversar. Acho o Daniel excepcional. Às vezes tenho inveja da inteligência dele. A inteligência tá no rol das coisas observadas. Aqui, nunca minha opinião venceu. Elas foram derrotadas. Por outras opiniões.

  • Para Lenine, a prática é o critério geral da verdade. Quando eu digo isso, estou pensando no caminho percorrido por ele para concluir isso. Lenine ta dizendo com isso: Agora viva. Ele trabalhava pensando. Gostava de pensar.
  • O que é a inteligência? É trabalhar no mundo. É se transformar.
  • Falar sobre teatro a partir das inexperiências mesmas. Subterfúgio em teatro (uma ação para si só ou para os expectadores): Coincide com as coisas que eu não consegui dizer.
  • O teatro vai provar que é bom não aos expectadores, mas na cultura onde foi realizado, celebrado.
  • A falta de teatro vai despreparando as pessoas para o teatro. Teatro é uma coisa reconhecida como teatro. O teatro grego, eu confio, está depositado no nosso teatro.
  • Faço teatro para mim e os outros são os meus semelhantes. Fazer uma coisa como se fosse para mim, julgando que esse é o melhor modo de fazer para os outros. Aprender fazer fazendo.

Anotações 2 - Trabalhar com muitas idéias ao mesmo tempo...

Segundo semestre de 1976
Texto sem marcação de dia e mês

Objeto
Muitas opiniões.
Depois a escolha.

  • Inevitavelmente temos muitas opiniões sobre uma mesma coisa. Mas desgraçadamente temos que sempre escolher uma única e seguir o caminho. Por isso as pessoas se casam, não é?!
  • Se numa mesma casa vemos duas geladeiras, primeiro perguntamos por quê? Depois, qual a melhor?
  • Por que não trabalhamos com muitas idéias ao mesmo tempo? Com vários objetivos?
  • Por que nos proibir isso?

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Anotações 1 - Em quantos dias se coloca uma peça de pé?

Segundo semestre de 1976
Texto sem marcação de dia e mês

Chico -
Vamos conversar? Mas conversar para tomar consciência. Isso é incômodo, eu sei. Este é um curso que deve fazer umas transformações em nós. Estabelecer certas perspectivas.

Carlos - Tenho impressão de que o tempo está ficando pouco para o que queremos fazer.

Chico - Eu monto Shakespeare em 26 dias.

Antônio - Eu acho que temos tempo que dá.

Chico - Temos curtido um pouco a coleção infinita de sugestões que somos capazes de dar. Podemos agora congelar um pouco tudo isso.

Carlos - Eu tenho uns conceitos que...

Chico Devemos abandonar estes conceitos que atrapalham a gente. A quem interessa que seja difícil apresentar uma peça? A mim particularmente, me interessa que seja fácil, que se rompa a inércia. A quem interessou não termos sido capazes de apresentar a peça infantil, os 3 médicos? A quem interessou? Eu tô afim de acabar com essa farsa. Provamos que não faríamos as peças. Fizemos uma greve. E como a greve é uma coisa abusada, eu aprovo.
Para o dia 26 se eu quiser eu faço: A peça infantil, Os 3 médicos, um musical.
Eu quero entrar nesse arraial onde se faz a arte brasileira. Quero ser operário nessa construção. O engano está sendo fabricado. Por que não fazemos este teatro de assalto?
Vocês não fizeram ainda nenhum exercício que os comovessem a ponto de alterar o próprio modo de vida. Eu fiz o Ser Sepulto, e isso não é uma coisa trivial.
Para montar a peça temos que combinar umas regras. E perguntar se algum ponto da peça ficou ressaltado.
Nessa peça nós destacamos a frase:
O ASSASSINATO TAMBÉM TEM LIMITES E NO ENTANTO TODOS OS DIAS ASSASSINAM-SE HOMENS”.
Ouvindo essa frase as pessoas lembram-se do padre que foi assassinado (Burneer), e isso é dar uma interpretação ao texto.
Tem muita imoralidade também pra ser detectada. É imoralidade o que tá fora da moral vigente. Fora da cartilha do viver. A vida taí andando. E a gente não pode demorar tanto pra fazer as coisas. No dia que JK morreu eu ensaiava o Ser Sepulto. Mas quando a peça foi apresentada já fazia tempo que JK tinha morrido. E o pessoal ao assistir a peça tava lembrando era de outra morte, a do padre lá de Mato Grosso.
Então, por que não fazemos uma apresentação dos 3 médicos, no dia 13, último dia da Expoarte?
A gente explica pro pessoal que não é uma peça acabada. É como se fosse um ensaio com o público. Vamos ouvir as pessoas que têm resistência a essas idéias.

Carlos - Não gosto da idéia de apresentar na Expoarte. Não to afim de assumir isso.
Chico: Outras resistências e sobre, por exemplo, ter o texto da peça presente em cena:
  • Acho que vai perder o ritmo visual.
  • Prejudica a ilusão que o teatro provoca o público.
  • Perde o caráter do teatro.
  • Perde a vibração.
  • É chato.
  • Tenho dúvida se um ator pode ler e representar ao mesmo tempo.
  • Acho que poder pode, mas é difícil.
  • Acho que todo mundo pode, marcando um prazo, trazer o texto decorado.
Tenho que reconhecer que levo mais jeito de diretor que vocês todos juntos. Tenho crises de idéias. Também quero dizer que trabalhar coletivamente é apenas uma forma de se trabalhar.
É preciso não esquecer também de, ao se ler a peça, pensar em missas, corais, canto lírico, orquestras, bandas desfilando, procissões, testamentos de Judas, leilões.
As palavras da peça não são entendidas de imediato. Vamos romper um acordo instituídos na arte, o de que se deve saber o texto decorado.
Uma sugestão: Quem lê não contracena. A peça se passa então, em dois níveis: o da leitura e o da representação. Isso é uma coisa norueguesa quase. Escocesa de tão bonita. Distante. Se a gente coloca distante de nós acha bonito, não é?

Carlos - Continuo contra a idéia de se ler o texto em cena.
Chico - Você continua porque tem o coração mais duro que o chão que você pisa. Uma peça de teatro quer seja visível ou não, tem sempre um livro em cena que está sendo lido. Imaginem: A cena escura. Apenas uma vela, uma lanterna, nas mãos da pessoa que diz: Os assassinatos também têm limites... e ela ou outra pessoa passa a lanterna nas pessoas que estão na platéia. Penso numas ligaduras para cada início de cena, como em TV. E também num jogo de futebol em BG, durante toda a peça. Ter um cenário que deixa uma vastidão de espaço, de abismo. A cena se passa num canto e fica um palco inútil.

Um desafio: Tentar ganhar sem prometer apenas. Pegar as energias que se tem a transformar as coisas no tom que se quer. Você ganha amizade só se prometendo pra amizade. Se você fantasia a amizade, você está alterando o texto da amizade. Extrair o que permanece de atuar no texto. E não injetar coisas, tentando dar colorido por não acreditar que alguma coisa do texto permaneça. Ver o que atravessou estes 140 anos, e permanecer vivo. Como esta frase: Os assassinatos também têm limite...
Procedimento de pensar: Em vez de aplicar coisas na peça, ver as coisas que vem de dentro da peça. Tecer o abismo, não geograficamente mas com o tom de voz.
As roupas: Não devem alterar muito como a gente está agora, porque desde que a peça foi escrita não se alterou muito o nosso jeito de ser.
O cenário: Não é composto de coisas reais, mas de pontos de vista. Não é uma coisa, mas uma aparência.

À procura do ritmo...

Texto sem marcação de dia e mês
Segundo semestre de 1976

Chico,

As pessoas estão acostumadas ao atropelo. A fazer tudo certinho e depressa pra não perder tempo. Dão um ritmo à vida que não é o da vida. Riem só um pouquinho, ficam logo sérios. Depois duma frase, duma fala não pode haver o silêncio, tem que haver outra fala, uma enxurrada. Até pela pessoa que se ama, choram só um pouquinho, é bom que nos recuperemos logo.
Penso que podemos fazer os 3 médicos num ritmo (o da vida) ou num outro (o que as pessoas emprestam à vida).
Se fizermos no ritmo da vida, será um teatro que pode ser pausado. As pessoas riem e a risada fica ainda um pouquinho no ar, como um eco. Se fazem um gesto, o gesto deve existir o tempo necessário pras pessoas registrá-lo, fotografá-lo.
Nada do que acontecer na peça, deve ou pode passar despercebido das pessoas que a assistem, a não ser que esta seja nossa intenção.
Clara Lúcia
Texto sem data

Enxergar melhor só com a lembrança de que um dia houve mais luz.

Segundo semestre de 1976
Texto sem marcação de dia e mês

Chico na janela do apartamento do Dod:


Aquela escola ali é tão feia, a coisa mais feia do mundo. E aquele gramado – uma faixa de grama outra calçada. Um de grama, uma de calçada. Parece o bem e o mal. Os meninos maus são os que pisam na grama.
Sou contra isso, clara. Sou contra universidade, contra família, contra pai. Sou contra as pessoas se reunirem pra esquecer os próprios pecados. Sou contra essa preocupação atual de se fugir do pecado. Hoje o pecado não é pecar, é a preocupação incessante de se fugir do pecado.
Acredito que há pessoas que a função delas é ser velas. Se queimar, iluminando outras pessoas. E ninguém percebe isso, só quando a vela se acaba. Aí alguém diz: parece que tava mais clarinho aqui, antes tava se enxergando melhor... e recomeçam a enxergar melhor só com a lembrança de que um dia houve mais luz.

Sem anotação de data

As dificuldades do fazer existem. Mas existem também as facilidades.Vamos nos guiar pelas facilidades...

Segunda-feira, 01/11/1976

Carlos - Vamos aproveitar que o Chico ainda não veio e conversar pra saber como todo mundo aqui ta vendo os 3 médicos. Vamos conversar, discutir sem a presença do Chico Pontes...

Clara - Duvido que a gente consiga isso.

Carlos - Duvida o que?

Clara - Discutir sem a presença do Chico.

Carlos - Eu consigo e muito, não tenho culpa se você não consegue.

Clara - Você ta muito apressando em dizer as coisas. E me responde pensando que entendeu o que eu disse.

Carlos - O que você quis dizer?

Clara - Que a gente não consegue discutir sem a presença do Chico. Prova disso é que você convidou todo mundo a conversar sem a presença dele. Ele não tava presente, mas você colocou ele num canto. Então ele tava presente.

Carlos - Vamos conversar?

Clara - Vou anotar essa nossa conversa.

Carlos - Esse negócio de anotar conversa parece coisa da Polícia Federal.

Gustavo - Coisa dos homens.

Clara - Por falar nisso Carlos, é bom você ter cuidado. Tenho um depoimento meu todinho anotado aqui no meu caderno.

Carlos - Eu acho que os atores, acho que nós, principalmente o Augusto, não tamos conseguindo fazer um personagem. Tamos sendo muito nós mesmos.

Clara - Acho que se a gente se preocupar muito em fazer um personagem, se preocupar muito em ser diferente de nós mesmos vamos nos atrapalhar. Não vejo mal do personagem se parecer com a gente mesmo. Acho que a gente pode misturar as coisas. Não se preocupar em se desligar completamente do que nós somos e ser só o personagem. Primeiro porque é muito difícil. Acho que pelos menos no início isto é muito difícil.

Carlos - Acho que isso que você falou é um erro primário em teatro: escolher um ator porque ele se parece com o personagem.

Gustavo - Quando eu tô fazendo o Lino eu lembro daquele teatro de Pirenópolis que o Chico falou. Então eu tô fazendo como num teatro de Pirenópolis.

Clara - Eu acho que o Gustavo se parece com Pirenópolis.

Antônio - O Lino é um personagem muito importante na peça. Ele é o apresentador dos personagens. Deve aparecer em cena como se esperasse convidados.

Márcia - Eu tô querendo saber mais sobre os tipos dos 3 médicos. Tô notando que o Arão quer fazer o Cautério um tipo assim sério, cheio de maneiras. Mas ele começa fazer assim depois se esquece de continuar.

Antônio - É que o Cautério representa ele mesmo um tipo. Como nem toda hora ele consegue ser serião, ele às vezes derrapa. Na verdade ele não é o que quer parecer ser, por isso às vezes ele não consegue continuar fazendo um gênero o tempo todo.

Carlos - O João me disse que tava com dificuldades de fazer a cena com o Gustavo porque o Gustavo não ajuda. Não olha pra ele, não presta atenção no que ele fala.

Clara - Acho que isso não pode estar prejudicando o João porque nesta cena provavelmente o Antônio estará lendo o texto e não vai desgrudar o olho do papel. O João tem que aprender a se virar sozinho. O Gustavo vai estar lá e não vai ao mesmo tempo porque ficará lendo.

Antônio - Agora não tô entendendo a da Ana. Aqui com a gente ela é toda extrovertida, abraça, beija todo mundo e lá na hora de fazer a cena com o Carlos fica toda encabulada.

Márcia - A Ana não tá conseguindo levar a extroversão dela pro palco. Ana, você é extrovertida com seus namorados?

Ana - Eu não tô vendo esse problema aí que vocês tão vendo. Acho que não tô conseguindo fazer direito a Rosinha porque eu não sei as falas dela de cor e nem como ela deve se comportar. Não sei se devo fazer ela alegre, expansiva ou quietinha.

Antônio - Acho que vocês devem fazer essa cena do Miléssimo e Rosinha em câmara lenta. Muitas vezes. Pra ficar os gestos e poder repetir.

Carlos - Quem deve cuidar dos gestos é também o Gustavo. Toda vez que ele fala vai ficando... Vai ficando... Na ponta dos pés. Acho que ele tem que acabar com isso.

Daniel - Acho não. Isso é legal.
(Daniel vai embora).

Márcia - Acho que o Luis tá fazendo, tá falando muito preocupado com as pessoas que estão assistindo.

Felipe - É que eu fico um pouco nervoso, preocupado.

André - Tem que se esquecer que as pessoas que tão assistindo existem.

Clara - Não acho isso não.

Carlos - Tem que se desligar das pessoas em volta como o Grotowiski fala.
(O Chico chega)

Márcia - Felipe acho que muita coisa se resolveria se você fosse capaz de dizer uns três palavrões pra nós aqui quando tivesse raiva.

Chico - Parece engraçado mas a Márcia tem razão. Temos que ter um modo de encarar a vida e despejar isso no texto. Se a gente não tem coragem de na vida dizer um palavrão, não temos também de dizer quando fazemos teatro. Por isso quando o Miguel (Felipe) xinga o Lino, não convence.

Felipe - (diz um palavrão)

Chico - Assim baixinho não vale. Tem que ser igual o Arão que me xingou de facista e sacana bem alto e tudo ficou por isso mesmo.

André - Em vez de palavrões as pessoas podiam se xingar na peça usando nomes de doenças.

Felipe - Acho que com o tempo eu vou superar isso.

Chico - Assim falando desse jeito não vai conseguir não. Tá parecendo linguagem de memorando com data-vênia e tudo. Tenho umas coisas aqui anotadas, umas preocupações minhas que vou ler pra vocês:
  • Devemos ter cuidado com a pronúncia das palavras. A pronúncia ta muito falsa. As pessoas que assistem não está entendendo o que se está dizendo.
  • Não podemos atropelar as falas uns dos outros. Precisam deixar as falar repousarem, agirem. Quando fizermos a recuperação de uma fala, essa recuperação deve ser feita com um propósito.
  • Deve haver uma pessoa lendo o texto todo o tempo.
  • Assimilar o gesto um dos outros. Ficar numa do personagem em cena deixar uns vazios, uns abismos, sensação grega, vai lá grego-romana. Ter noção do território do palco. Da gravitação.
  • Preocupação: A quem vai dizer as falas? A outro ator? Às pessoas da platéia?
  • A intenção de cada frase. Onde começa a intenção e onde ela termina. Há uma intenção geral: Ela é clara, só não é claro o que você diz e há várias sub-intenções.
  • Misturar a vida com o teatro pra poder depois fazer as distinções. Misturar um pouco a nossa vida com o que vamos fazer e depois separar. O teatro tem uma função: a da gente rever as coisas , aliás é pra isso que o teatro foi feito. Por isso algumas intimidades não nos deve intimidar, tô referindo aqui à cena da Rosinha e Miléssimo.
  • Acho que a gente ta fazendo coisas só na base da simpatia. Sejamos francos quem aqui faria o General Franco? Ou Silvério dos Reis? Quem teria coragem de arranjar gestos pra fazer um pústula? E fazer bem, sem ser caricato, sem gozação? É preciso consciência pra poder separar as coisas, fazer bem o Silvério dos Reis: Se você tiverrejeições a umas práticas e se você não tiver consciência dessas rejeições não vai fazer determinados personagens, não dançará capoeira, não fará muitas outras coisas.
  • Como observador notei que o nosso processo está sendo visitado por essas dificuldades. Estamos confundindo teatro com a vida .Estamos encabulados de ser os personagens que devemos ser. Queremos fazer um personagem simpático, que podemos entrar com ele em casa
  • No momento somos umas pessoas um pouco artistas transfiguradoras. Vamos assumir esta posição.
  • Os artistas vivem e representam a vida. (Há uma separação). Está um pouco confuso em nós: O que é teatro e o que não é teatro. O que somos e o que não somos.
  • Na cena da Rosinha e do Miléssimo precisamos descobrir qual é a da cena pra poder sustentar o equívoco. Quando a Rosinha arrasta Miléssimo (imprensa e mostra uma situação que é eterna). Uma situação que tá contada nas músicas populares. Ouvir Chico Buarque, Caetano Veloso. Tá contada nos romances. Nas gravuras. Ta tudo aí. A gente inventa, inventa e vai ver tudo já ta contado. Precisamos fazer o ápice desta questão.
  • As dificuldades do fazer existem. Mas existem também as facilidades, Vamos nos guiar pelas facilidades.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Que as pessoas brincassem e vissem a face delas brincando...

Domingo, 31/10/76

Transcrição da fita apresentada em aula no dia.

Chico: Eutinha pensado em programar essas coisas. Quer dizer, de organizar o curso de uma forma que ela resolvesse uma série de coisas que eu pensava sobre teatro. Então, eu aceitei fazer esse curso assim sem muito tempo de planejá-lo, mesmo porque eu não acredito que a gente faça um planejamento anterior nessas coisas e tente realizar de acordo com o planejamento.

Ao planejar o curso pensei aproveitar uma certa um certo número de idéias que eu tinha sobre teatro e tenho, pelo fato de conviver com essa coisa e de tentar fazer e de não conseguir me afastar muito disso. Eu estou envolvido com o processo de teatro. Então, a idéia do curso é uma Oficina Básica de Teatro e Dança. Se fosse um curso seria de Licenciatura em Desenho e Arte Plástica ou de educação Artística. Quer dizer então, o curso tem um compromisso com a cultura brasileira, já que tem um compromisso com a educação esse outro compromisso também fica mais reforçado.

A idéia que eu tinha, que eu tenho, que me animou pra fazer esse curso era que: acho que o Teatro Brasileiro não tem qualquer coisa que pudesse se chamar de vocabulário gestual. Quer dizer, o jogo das marcações, o jogo da dança no teatro, o jogo da verticalização, toda verticalização, toda aquela parte do teatro que é após o texto, ela é muito apreendida em práticas internacionais, métodos e técnicas de teatro que de uma forma ou de outra chegaram aqui e que são importadas: Qualquer coisa do teatro francês, do teatro alemão, do teatro inglês, do teatro americano. É qualquer coisa de Stanilawiski, de Grotowiski, de Brecht e arremedos dessas coisas. Então é uma preocupação com o fantasiar a voz, por exemplo. A voz, então, tem aquelas coisas de califasia, de caliritmia, de entonação, de impostação. Quer dizer, a alteração do jeito de falar começa por aí. Também as posturas, aquele negócio de ter noção do meio do palca, da direita baixa, centro, essas coisas... Uma certa gravitação no palco que não é extraída da vida brasileira, mas aproveitamento de desenhos surgidos em outras culturas. Quer dizer, desenhos de marcações de outras culturas, que atendem a outros interesses, que atendem a outras técnicas, que atende a outros fazeres artísticos.

O teatro brasileiro me pareceu sempre, nesse processo de verticalização, um aimitação dos processos de fazer teatro em outros locais. Isso, sem dúvida, serviu muito aqui no sentido de ter possibilitado a existência de espetáculos de teatro, a criação de atores, a formação de público. Mas , ao mesmo tempo que isso foi criado, foi criado distante das raízes nacionais, das raízes brasileiras.

Acho que o povo brasileiro não se vê no teatro brasileiro. Isso é uma idéia geral assim que eu tenho. E que, aqui, não tô conseguindo dizer claramente porque essas coisas não estão claras na minha cabeça. É só um mal estar que eu tenho quanto a essa parte. Outra coisa é também os textos. Essa dramaturgia, por conseqüência , todos esses textos existentes são feitos em gabinetes isoladamente. Indivíduos que criaram peças, tramas, desligadas da realidade brasileira, desligadas dos problemas brasileiros, da cultura brasileira, desliagadas do cancioneiro brasileiro, desligadas do romanceiro nacional. São tramas e peças, enredos, argumentos que são importados também. São uma caixa de efeito.

O que a gente pode dizer é que o teatro brasileiro é uma caixa de efeitos, uma caixa de segredos, uma carpintaria de prender a atenção. Isso também está nos cenários. Tá na própria forma do teatro. Nós temos palcos italianos, essa coisa toda. Acho que outros setores da arte, outros modos de fazer artísticos estão um pouco mais nacionais, um pouco mais brasileiros. São um pouco mais espelhos da nossa realidade. São objetos realmente da decifração da nossa realidade, da transformação da nossa realidade. São momentos em que há um convite pra alma brasileira se reconhecer diante da arte brasileira. Acho que o teatro é uma coisa distante desse aspecto aí.

São essas as inquietações que eu tenho e que (explicam porque) aceitei fazer o curso... Pensei que podia se aproximar o teatro brasileiro por exemplo do futebol. Quer dizer, a dança do futebol, daquele jogo de participação que há, daquela cooperatividade, associatividade que há no jogo de futebol, ao mesmo tempo que há uma certa disputa, jogos de malícia. Uma coisa decidida na hora. Um um certo improviso de ações. Um certo comungar sem combinar. Quer dizer, uma coisa decidida com olhos. Isso o nosso teatro não tem. Isso o futebol tem e é uma prática brasileira, é um modo brasileiro e há uma malícia, uma malandragem. Então, essa aproximação, eu acho que ela é importante para, para o teatro brasileiro. E está longe essa coisa de qualquer autor brasileiro ter comentado isso alguma vez, de algum teórico brasileiro ter dito isso , ter falado nisso, o que para mim é estranho.

E aí a gente pode ver também que o carnaval tem muita coisa a dar para nosso teatro. Tem outros momentos aí em que há realmente rituais, há cerimônias e há teatro. Esse teatro espontâneo não está no teatro brasileiro. Nem também esse mais elaborado: o folclore. Quer dizer, as festas populares. Essas multifacetas aí da cultura brasileira. O teatro tem uma visão opaca pra essas coisas. Então, eu pensei que as pessoas poderim brincar, um grupo de pessoas poderia brincar um certo, brincar um futebol, jogar um jogo de futebol. Elas fariam uma tremenda expressão corporal. Elas desenvolveriam um forte sentido de cooperativismo, de associatividade e naquele ambiente de futebol fariam surgir emoções reais em funções de coisas concretas em que não há interesses particulares, há um interesse geral.

As pessoas durante um jogo revelam, revelam muitos sentimentos, revelam muitas emoções. Simplesmente essas emoções aparecem pelo jogo e não há nenhum compromisso, nenhum interesse. Então, desligadas de compromissos, de interesses, as pessoas fazem brotar esses sentimentos, é uma criação coletiva realmente. Então, as pessoas interessadas em aproveitar isso, jogariam um futebol várias vezes e veriam que tipo de emoção, que tipo de associatividade, como é que elas se mostram ao jogar e recolhem essas emoções e poderiam com elas trabalhar, teatralizá-las, dramatizá-las, torná-las evidentes, fazer uma outra combinação com elas e tudo mais.

Tentar então, levar essas emoções e impostar-lhe um texto. Quer dizer, verticalizar um texto a partir dessas emoções brotadas num jogo, por exemplo, era a experiência que me alimentava aí, quando eu pensei em organizar essa Oficina de Teatro e Dança aqui na UNB. Mas isso não foi possível porque a época do ano é muito seca, um calor danado e então, a aula de quatro as seis não dava pra fazer. É um projeto demasiado arrojado pra um individuo levar à frente. Então, suprimi isso e fiz alguma coisa bem menor, mas dentro dessa direção: que as pessoas brincassem e extraíssem dessa brincadeira alguma... vissem a face delas brincando. A face delas num jogo. E recolhessem isso. Então, foi com essa idéia que fizemos um texto e montamos. Depois nós montamos um texto que tem, que guarda proximidade com o que foi feito ali, no espontâneo, no autêntico. E isso foi muito difícil de fazer porque ninguém tá acostumado a trabalhar desse modo. Mas é só uma dificuldade que quando a gente supera, resolve... E então?... Opa!...

Naturalmente, eu dei uma ancorada aqui no teatro brasileiro e deixei ver que há algumas exceções. Quer dizer, tem algumas peças vigorosas e tem algumas pessoas que tentam essa recuperação dos valores nacionais, da identificação do teatro com a arte brasileira. Mas são exceções. São coisas muito pequenas, não dá pra ver. Então completamente afogadas. Então quem ancora não dá pra ver isso.

Grudar a intenção na fala...

Sexta-feira, 29-10-76

Cena da Rosinha falando: Ela deve falar falsamente. Grudar a intenção nas falas.

Cena XIII: Aparece o Pelé.
Cena XIV: Aparece o Mequinho.
Cena XV: Aparece o Fittipalti. Por quê? Porque tratar doente com água é igual correr com o Copersucar.

Um ideal: Que as pessoas entendam as falas. Obedecer exatamente o que está no texto.

Expor o processo de fazer: Os atores de uma peça sabem a peça toda. O público sabe que os atores sabem. Não faz mal que um ator tropece e o outro o ajude. É interessante que em cada cena um dos personagens esteja com o texto na mão. A presença do texto, em cena, tranqüiliza e estabelece a verdade que é a de que os atores já sabem a peça.

Movimentar a cena: O gesto sai naturalmente. O difícil é você conter o gesto. Fazer a cena com outras pessoas. Uns assimilam os gestos dos outros, isto é entrar na que ele disse. Arranjar uma para poder responder. Estabelecer o intervalo entre as falas. Colocar uma intenção em cada fala. Comunicar ao público de uma maneira clara, a intenção de casa cena. Quando a gente não sabe a entonação não deve colocar nenhuma.

Se não tomarmos cuidado, os erros grudam na gente...

Quinta-feira, 28/10/1976

Ainda sem anotações encontradas...

Quarta-feira, 27/10/1976

Ainda sem anotações encontradas...

Terça-feira, 26/10/1976

Ainda sem anotações encontradas...

Segunda-feira, 25/10/1976

Não houve aula, nem ensaio...

Sexta-feira, 22/10/2006

Os atores preferiram assistir a um ensaio de um show musical.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Montar a peça como se fosse novela....

Quarta-feira, 20/10/1976

Informações para se contextualizar a peça:

  • Reminiscências das viagens e permanências de Daniel P. Kidder, o missionário metodista americano que viveu no Brasil de 1837 a 1840.

    Capítulo V
    Hospitais: (sustentados pelas irmandades).
  • Hospital de São Francisco de Paula
    Situado em local bem ventilado e é de ótima construção.
    Cada doente é acomodado em alcova separado onde recebe as visitas do médico e cuidados dos enfermeiros
    Amplos corredores circundam o prédio onde os doentes gozam ar puro e apreciam o magnífico panorama.
  • Hospital dos Lázaros – Fica em São Cristóvão a algumas milhas da cidade
    Recebe pessoas atacadas de elefantíase e outras moléstias da pele da mesma natureza que a lepra, enfermidades muito comuns no Rio. Houve alguém que pretendia ter descoberto que no Brasil, a elefantíase é a mesma moléstia que entre os gregos costumava ser curada com veneno de cascavel. Houve quem se submetesse à picada da cobra na esperança de se salvar, mas morreu.
  • Santa Casa da Misericórdia – Situado ao pé do Morro do Castelo
    · Tem as portas constantemente abertas aos enfermos e aflitos. A direção do hospital presta a mais eficiência assistência que pode, a todos indistintamente: homens e mulheres, pretos e brancos, mouros e cristãos.
    · Mais de cinco mil doentes são ali tratados. Mais de mil morrem.
    ·
    O prédio é antigo e mal construído.
  • Um novo hospital está em vias de ser construído. A primeira pedra foi lançada em julho de 1840.

Concepção teatral da época: os esquemas de apresentação são rígidos. Existem as cenas de preparação. São geralmente curtas e funcionam como elemento de ligação entre uma cena e outra.

Chico - Podemos montar a peça como se fosse novela. As cenas pequenas serão feitas como se anunciassem o próximo capítulo. O patrocinador da novela seria um remédio proibido. No outro intervalo vem a explicação que não se pode continuar com o mesmo patrocinador porque o remédio foi proibido.Como fazer estes anúncios? Falar com Climério, Lurdinha, Pedro Jorge. Podemos também fazer um noticiário sobre os remédios. Meu apelo: Vamos fazer uma coisa só pra chatear.

Antônio - Temos que discutir mais esse lance de se fazer a peça como uma novela.

Chico - Se discutir a gente não faz, fica com medo.

Antônio - Se antes de cada cena, houver outra anunciando a peça pode ficar monótona.

Chico - As cenas de TV seriam só as pequenas, as introdutórias de outras, as que já existem na peça. E também a da Rosinha falando... Uma boa maneira da gente não fazer a peça dum jeito monótono é não pensar que ela possa ficar monótona. Há também as peças chatas de propósito. O ser sepulto é uma peça chata de propósito.

Antônio! Você foi convidado pra jantar... Está com medo que a vida apodreça... Não acha mais sensato deixar para verficar na ocasião?

Gente, não vamos combater as idéias antes de ver elas realizadas.

Neste negócio de idéias tem duas posições. Não vamos ser falsos:

  • Uma, a gestação de idéias – isso só pode ser feita se expulsarmos a polícia que existe em nós.
  • A segunda, o desmanchar das idéias.

Por isso precisamos ter, expor nossas idéias. Depois a idéia melhor briga com outra. A idéia melhor desmancha a menos boa. Às vezes se dá o contrário. Então podemos lamentar o fato de não termos escolhido as melhores idéias.
Penso que a maior parte de nossas discussões que fazemos aqui falando podemos fazer de outro jeito: fazendo. Podemos aprontar cena por cena. Podemos escolher a cena que mais represente a idéia geral da peça e começa por ela.
O ser sepulto acomoda um pouco o que penso sobre teatro. Pra se fazer teatro é preciso se ter um bocado de idéias e confiar que outras pessoas dê outras idéias. Mas entre o pensar e o realizar existe um abismo muito grande. Há uma terrível sujeição.

  • O autor diz que a peça não devia ter começo e nem fim, mas a mãe da atriz acha que a peça deve ter fim.
  • Perdi muitas discussões. Muitas idéias minhas foram colocadas de lado. As alguns símbolos permaneceram: os atores colocados de costas uns para os outros; as falas distantes uma das outras; os atores se dirigindo à platéia

    (Mas o rapaz que entrega o jornal, era pra entrar numa motocicleta, fazendo um barulho imenso. Mas o rapaz entrou de bicicleta. Por timidez. Timidez fazendo de conta que é coragem).
  • Penso que teatro bem feito é aquele que consegue a participação da platéia, mesmo que essa participação seja sair do teatro.
  • O que as pessoas falam na peça O ser sepulto é aterrador. O que eu fiz também é aterrador: fiz os atores ficarem conversando com a eternidade.
  • Em qualquer pensão as pessoas estarão conversando aquelas conversas do dia-a-dia. São só umas falas.
  • Considero um elogio as pessoas dizerem que o texto é bestíssimo. Dizer isso é querer que o texto realmente exista. Que a peça tenha uma unidade dramática.
  • O problema é que a peça não ta realizada. Tem de se fazer 300 peças e todas parecidas. Daí então pode ser que saia umas.

Carlos: O teatro pode existir sem texto, sem música. Mas não pode existir sem público. Por isso não acho válido fazer uma coisa que chateie o público. Que afaste o público do teatro. Se a gente fizer assim tamos contribuindo pra elitizar ainda mais o teatro. Fazendo teatro só pra uma pequena classe.

Gustavo: Isso desestimula o público a ir ao teatro.

Pedro: Pra gente fazer essas idéias que o Chico propõe é necessário antes preparar o público. O público brasileiro, o público de Brasília não ta preparado pra receber esse tipo de teatro.

Chico: Quero saber quando é que se vai inaugurar essas preparação do público. Vamos ficar a vida toda, eternamente dizendo que o público não está preparado para essa ou aquela maneira de fazer teatro. Se a gente pensa assim, vamos ficar fazendo da mesma maneira, sempre. Quanto ao teatro ser elitizado, ele é, vai ser e não é culpa do teatro, mas da estratificação social. Se as pessoas não comem, não tem onde morar, como deselitizar o teatro? Acho ridículo se apresentar peças produzidas aqui em Brasília nas cidades satélites. Antes de ir se fazer teatro lá é preciso sanear aquelas cidades, botar água e esgoto. E depois, ao irmos apresentar este nosso teatro lá estaremos afogando as coisas espontâneas deles, o carnaval, a cachaça nos botecos, o futebol nas ruas.

Pedro: Você teria coragem de...

Chico: Por favor, não faça perguntas sobre minha coragem, eu não tenho nenhuma. Outra coisa que quero deixar clara: desconfio que sei fazer mas não se pode, não posso fazer só. Preciso, precisamos de pessoas que topem correr o risco.
Outra coisa: Devemos dar fim a todas as coisas que hoje a maioria não tem? Se fizermos isso, a maioria jamais terá direito a estas coisas, pois foram exterminadas. E depois, as coisas de elite e as coisas poulares guardam relações. A arte popular guarda relações com a arte aristocrática.

Função do teatro: Cartática

Brecht: o teatro deve assumir a forma popular. Perceber os problemas gerais, torna-los claros às pessoas. Colocar as pessoas diantes dos problemas delas. Não convencer ninguém.

Vou dizer agora uma coisa que sempre tenho notado quando discutimos: Temos medo de ficar diante de nossas idéia. Então ficamos sempre dizendo umas frases que já estão aí, uns comentários velhos. A gente precisava era de pegar nossas idéias, apresentá-las e colocá-las na posição vertical. Na verdade eu penso muito, tenho muitas idéias. Sou contra muita coisa que existe aí, que se faz em teatro. Mas não to muito convencido do que penso. Por isso eu quero, é preciso discutir. Mas discutir. Discutir.

Obs. Chico falou também sobre a responsabilidade social do gosto.

Vendo as intenções do texto...

Terça-feira, 19-10-76

Quem estava: Clara, Bia, Márcia, Carlos, Felipe e Gustavo.

O pessoal se reuniu para ver as intenções do texto.

Carlos: O loiro poderia ser o Augusto. A peça depende dele. Acho que é o personagem mais importante. Cara forte, capaz de segurar.

Gustavo: Me identifico mais com o Marcos. O homem dos bichos tem que ser uma pessoa bem alta, o Carlão. Dá um toque final no Durvalino, pra ver qual é, se ele vai participar da peça.

Antônio: É bom se dar uma música para cada personagem.

Cena V:

  • Um silêncio no começo. Depois uma gozação de hino na eloqüência do Cautério. A cena torna-se monótona e para ressaltar isso, termina com muito barulho. Cautério entra com roupa de açougueiro porque a alopatia tira sangue. Associação com a medicina atual, medicina comercial.
  • O homeopata deve ser um cara charlatão. Pratica um tipo de medicina pouco usada. Oportunista. Um cara bem doido.
    O hidropata deve ser um matutão, o que se nota pela vestimenta, calça longa, amarrotada, suspensório.

Márcia: Imagino miléssimo moderninho, cabeludo. E o homeopata usa óculos escuros.

Ainda sem anotações encontradas...

Segunda-feira,18-10-2008

Ainda sem anotações encontradas

Sexta-feira, 15/10/1976

Montar um texto não é o mais importante. O mais importante é o que acontece ao redor


Quinta-feira, 14/10/1976

Chico – Turma boa.... nós já fizemos e desistimos de muitas coisas. Tudo bem! Agora, nosso acordo é tentar montar ‘Os três médicos’. No pé em que estamos, devemos apreender o texto - está lá defronte – na parede - e cada um tem uma cópia que eu paguei e não estou cobrando). Então, vamos criar coisas para esta grande farsa (ou não? Digam uns aos outros).


Se vocês não estão a fim terão de me dizer diretamente, pois eu me nego a compreender através de indiretas. Penso que o curso já produziu resultados estimáveis e se vocês só queriam isto, tudo bem! Espero que me digam claramente, pois já tivemos em aulas extras o suficiente para cumprir as exigências do curso – o que nos dispensa de mais tarefas. Falem claramente. Penso que poderemos aproveitar a oportunidade para pensar algumas coisas para os problemas atuais do Teatro no Brasil. Fazendo!


  • Decorar o texto não é fundamental. Fundamental é inventar. O texto é de vidro. As invenções não são para quebrá-lo, mas para poli-lo.

  • Precisamos colocar as falas mais distantes umas das outras. Colocar no meio o futebol. Gravar o jogo de futebol: situações de impedimento, o gol, a fala da Zebrinha (TV Globo).

  • Precisamos saber como anunciar a peça, os cartazes.

  • Gravar uma entrevista sobre o que as pessoas acham do teatro. Gravar as respostas. Serão usadas durante a peça. De repente, perguntar para alguém do público o que acha do Teatro. A resposta sai, mas do gravador.

  • Podemos colocar os atores em fila, protestando contra a lei que regulamenta a profissão de ator.

  • Quando Miguel aparecer ou falar, coloca-se a música ‘Navegar é preciso’ ou ‘Cisne Branco” ou um apito de navio (o personagem é oficial da Marinha).

  • Tirar partido dos defeitos: os atores estão ainda se arrumando e a luz acende.

  • Ler e ver na peça: a intenção, o tom dela, as cenas que auxiliam ou negam a intenção. Isso para se obter um gráfico de intenções e de incoerências.

  • O médico alopata pode entrar em cena empurrando um carrinho de supermercado cheio de amostras grátis e distribuir a todos.

  • Em algumas cenas, os atores conversarão com o público, falarão dirigindo-se ao público e não um para os outros.

  • Se a peça for encenada no Galpão, colocar alguém todo o tempo rodeando a arena. É o vigia da peça, um polícia ou um padre.

  • Dizer no programa, que o homem que anda em volta da arena é um polícia e que estamos reivindicando um policiamento ostensivo no teatro, como nas praças públicas e no futebol. Não um policiamento confortável, sentado (como acontece), mas em pé, andando, como no futebol, nos jardins.

  • Montar um texto não é o mais importante. O mais importante é o que acontece ao redor.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Como imaginamos os médicos?

Quinta-feira, 13 de Outubro de 76
  • Olhando as cenas coladas nas cartolinas percebe-se de imediato que existem cenas bem longas e outras bem curtas. Podemos trabalhá-las com esse dado.
  • Precisamos arranjar as fitas cassetes. Dezoito. Uma para cada cena.
  • A cena da Rosinha falando (XI) pode ser feita na TV. Primeiro aparece a Rosinha falando e depois slides que tenham relação com que ela está dizendo.

Começam a fazer as cenas.
São feitas as cenas XVI, XVII, XVIII

Depois:

Antônio - Precisamos dar atenção ao espaço que ocupamos. Fazer mais ou menos a marcação do espaço.

Cláudio - Não to achando legal a gente começar a fazer pelas últimas cenas. Se a gente começar do início é possível se estabelecer o ambiente da peça.

Chico - As cenas musicais não têm tradição. As situações, tanto no início, meio ou fim precisam ser criadas. A peça pede nossa colaboração. A peça mostra 3 médicos despistando um doente. Devemos começar a fazer pela cena que indique esta situação mais claramente.

Começa-se novamente a fazer. Pela cena XV.

Chico: João, esqueça de interpretar e se preocupe em fazer com que as pessoas entendam o que você está dizendo.
Vocês já foram à Pirenópolis?
Viram o teatro que fazem lá?
É horrorosamente mal feito.
Falam declamado. Pontuam os gestos.
Há aí toda uma estrutura do mau gosto.
Podemos fazer um teatro assim: escandaloso, entrecortado, pausado (Não há necessidade de se falar o tempo todo).

Como imaginamos os médicos?

  •  O homeopata – hippy
  • O hidropata - matuto
  • O alopata – declamador
(Se esses tipos se mostrarem bons podemos exercitá-los).

O homeopata hippy – fala manso o tempo todo. Com os olhos brilhando.

Malandro e hippy: Qual a diferença?

O malandro acha que pode resolver qualquer situação.
O hippy é o malandro da sociedade de consumo. Malandragem da ausência, omisso. Conhece as técnicas da repressão, por isso não enfrenta.
Os dois são extremamente parecidos. São os ídolos da marginália.

Podemos fazer um teatro livre das regras usuais.
Mas se ver livres das regras é obedecer algumas:

  • Falar dum jeito que a última pessoa da fila possa ouvir. A velhinha meio surda da última fila deve ouvir também.
  • Colocar a intenção da peça em cada palavra, cada frase que for dita. Cada cena tem também uma subinteção já que a peça toda tem uma intenção.
  • O gesto é sempre anterior às falas. Por isso pode-se explorar o ridículo do declamador. O declamador fala pra depois fazer o gesto correspondente.

Vamos nos organizar?
Nos ancorar no texto?
Como? Ler, interpretando.

Os três médicos Cena XVIII

Os três médicos Cena XVII

Os três médicos Cena XVI

Os três médicos Cena XV

Os três médicos Cena XIV

Os três médicos Cena XIII

Os três médicos Cena XII

Os três médicos Cena XI

Os três médicos Cena X

Os três médicos Cena IX

Os três médicos Cena VIII

Os três médicos Cena VII

Os três médicos Cena VI

Lino (falando para a platéia) - Estes médicos são todos mais ou menos intolerantes. Cada um quer matar lá a seu modo, e brigam com isso como endemoniados... Safa! De medicina, só a hidropata; ao menos leva-se tudo à água fria, que se não faz bem também não faz mal. (Batem palmas à escada) Quem é?

Aquoso (já dentro) - Dá licença?

Lino - Oh, é o meu Dr. Aquoso! Pode entrar.

Os três médicos Cena V

Cautério e Lino

Cautério -
Licença...

Lino -
Oh, o Dr. Cautério! Como vai?

Cautério - Como passa o nosso doente?

Lino - Anda muito apreensivo.

Cautério - Mal é isso. Com o moral não podemos nós. Com licença. (Assenta-se.) estou cansadíssimo! Má vida, Sr. Lino, má vida é a do médico!

Lino - O doutror zomba; dizem que é dos melhores...

Cautério - Experimenta-na.

Lino - Nenhum capital e avultados lucros...

Cautério - Sempre esta questão de dinheiro... Questão eterna!

Lino - É vital!

Cautério - Não contam os incômodos, os dissabores e os desgostos por que passamos. E o calotes... Somos como criados do povo. Julgam-se todos com direitoao nosso saber, tão arduamente adquirido e tão pouco reconhecido! Não temos hora, dia nem descanso... Salva-se o doente, agardeces-e à natureza; morre o doente, culpa-se o médico. Que recompensa a notes de estudos e de insônia! Em nossos braços morrem a esposa, o amigo, os filhos, sem lhe possamos valer. A nossos pés se arrastra a deplorada família pedindo a vida para o seu pai, cabeça e arrimo, que todos os esforços da arte não puderam salvar. E essas cenas de angústia se reproduzem (...) Que vida! E invejam-na!...

Lino - Este é o único lado mau. E o bom?

Cautério (levantando-se) - O único? E essa súcia de inovadores, magnetizadores, hidropatas e homeopatas com que lutamos todo os dias? (Tira um Jornal do Comércio da algibeira.) Aqui estão nestas colunas as mais nojentas diabitres, os mais asquerosos insultos que esses charlatões cospem contra a nossa face.

Lino - Nunca gostei destas descompusturas...

Cautério - E que homem sisudo pod egostar? Discuta-se , argumente-se e apresentem-se raz~ies, e sobretudo fatos; seja a contenda científica, que será aproveitoso, mas assim como ela apareceu e aparecerá ainda entre nós é pernicioso. Essas personalidades infames indispõem os homens e não esclarecem os médicos.

Lino - Mas doutor, o senhor e os seus também têm culpa nisso!

Cautério - Fomos, os agredidos! Assim devia ser... Quando se não tem razão, responde-se com insultos. E aonde iriam buscar os homeopatas razões convincentes para oporem as nosssas? Onde? Há sistema mais absurdo e ridículo que a homeopatia? Onde as bases em que se firmar - similia similibus curantur? Absurdo! Contraria contraríis curantur - eis a verdade! Há nada mais natural e simples do que tratar o calor pelo frio, o seco pelo úmido, os humores pelos laxantes, a sua acridade pelo álcalis, etc., etc.? O contrário disto não tem o senso comum. A alopatia é o grande e verdadeiro sistema e... Mas, aí, que eu estou aqui a questionar e o doente estpa a minha espera! Com licença. (Sai pela direita.)



Os três médicos Cena IV

Lino, só.

Lino -
Não deixa de ter razão, nas o caso não é para tanto abatimento. Talvez que o meu doutor o ponha bem. Eu tenho só para mim que o seu médico assistente, o Dr. Cautério, é um charlatão, aprendeu no tempo antigo. Pobre velho! Estou que não caibo na pele... De hoje a oito dias estarei casadinho!

Os três médicos Cena III

Marcos e Lino

Lino -
O que queres de mim?

Marcos - Já lá se vão trinta anos que nos conhecemos! Amigos velhos! Não te bastava esse título, queres estreitá-lo mais?

Lino - Oh, tua filha é um anjinho. Faz-me muito feliz. E consente ela?

Marcos - Consentirá, porque ama-me e respeita.

Lin0 - Oh, que contentamento! Que linda esposinha!

Marcos - E é preciso apressarmos este negócio.

Lino - Quanto antes! Oh, que dia será para mim!

Marcos - Quero deixar-lhe um amparo neste mundo que cedo deixarei...

Lino - Ora, deixa-te disso! Ainda viverás, e muito, para veres os teus netinhos correrem por esta sala.

Lino - História...

Marcos - Sabes tu, Lino, o que é para o homem um temor contínuo, que por toda a parte o persegue, que à noite o faz despertar banhado em suores frios, que no meio de parentes e amigos o traz sempre assustado e receoso e que o ameaça com a desonra?

Lino - Pois que vai?

Marcos - Escuta-me amigo, devo descobrir-te um segredo e patentear-te assim a causa deste meu mal. Há mais de quarenta anos que nos conhecemos; foste testemunha de minha louca e espediçada mocuidade ... Rico e sem parentes que me guiassem, vi-me cercado de amigos. Amigos!...

Lino - Tratantes...

Marcos - Que me pagavam com perniciosos exemplos e conselhos a fortuna que me ajudavam a desperdiçar.

Lino - Quimistas!

Marcos - Tu eras a única exceção.

Lino - E por isso brigavas sempre comigo...

Marcos - Mocidade!... Amei! Uma moça acendeu no meu peito violenta paixão. Não conhecia obstáculos aos meus desejos, e dirigi-me a casa do pai, a fim de pedir-lhe a mão daquela que me fazia louco. Foi-me negada. A minha má reputação era conhecida, assim devia ser.Voltei para casa desatinado revolvendo no pensamento milhares de projetos. Para desabafar-me escrevi uma carta a Maurício, aquele que se dizia meu melhor e sincero amigo.

Lino - Oh, que grande patife!

Marcos - Então não o conhecia eu... Foram estas as palavras da carta: "meu amigo, ele negou-me a mão de Serafina e suas desabridas palavras deixaram-me a cruel certeza que eu nunca a gozarei. daria a metade da minha fortuna para que este homem não existisse." Carta fatal! Criminoso pensamento!

Lino - Com efeito, não é dos mais cristãos...

Marcos - Oito dias depois o pai de Serafina, quando entrava na porta de sua chácara, foi assassinado.

Lino - Bem me recorso! Mas ainda não soube por quem.

Marcos - Não adivinhas agora?

Lino - Maurício?

Marcos - Sim, esse monstro!

Lino - Eu bem te dizia que esse tratante tinha nascido para a forca!

Marcos: Interpretou as palavras que eu escrevi no delírio da paixão; realizou o pensamento que apenas vslumbrava na minha delirante imaginação... Amigo cruel!

Lino: Boa laia de amigo!

Marcos - Baldadas foram as pesquisas da polícia.

Lino - Andou tudo em pandareco... Que de conjunturas se fizeram!

Marcos - E eu tive a criminosa fraqueza de apoveitar-me deste crime tão atroz. Um ano depois eu estava casado com serafina.

Lino - Lá disso não te culpo eu, porque enfim não foste tu que mataste o velho.

Marcos - Três anos depois de casado morreu minha mulher, deixando-me dois filhos.

Lino - Coitadinha, tão boa senhora que era!

Marcos - E que vida tem sido a minha desde então! perseguido por esse homem infernal, que de amigo que se dizia tornou perseguidor, não encontro descanso. Senhor da carta que lhe eu escrevi, não cessa de ameaçar-me com a sua publicação, se de pronto eu não satisfizer os seus imoderados desejos. Metade da minha fortuna dizia eu que daria para que o pai de Serafina não existisse; mais da metade tenho dado a Maurício para que me entregue a carta fatal, mas o pérfido zomba de mim, e novas exig~encias acompanham novas promessas.. O que será de mim se ele a publicar?

Lino - Não tenhas medo... Em primeiro lugar, porque ele não quererá também denunciar-te; em segundo, por ainda teres fortuna para lhe pagaraes a discrição. O tratante achou em ti uma mina de caroço...

Marcos - E quando eu tiver dado o último real, serei levado ao tribunal e arrastado à escada da forca e meus filhos ficarão no mundo pobre e infamados! Eis o que me mata! Ainda dirás que me posso curar? O mal está aqui... (Aponta para o coração).

Lino - Isto é apreensão de mais... O homem não é capaz de denunciar-te.

Marcos - Tu não o conheces! Amigo, apressemos esse casamento porque eu devo morrer quanto antes para salvar meus filhos.

Lino - Isto é mais nervos que outra coisa! Eu já pedi ao meu médico que viesse hoje ver-te. É hidropata; talvez te cure.

Marcos - Que me importam médicos homeopatas ou hidropatas! Não te vás embora, passa o dia conosco. Tenho ainda que falar-te. Rosinha? Vou descansar um pouco, sinto-me fraco.

Lino - Não queres o braço?

Marcos - Não, obrigado, aí vem a menina. (Entra Rosinha.) Ajuda-me. (Apoiado no ombro de Rosinha sai.)

Os três médicos Cena II

Entra Lino.

Lino (entrando) - Bom dia, amigo Marcos.

Marcos - Oh, a propósito vens.

(Lino cumprimenta a Rosinha e a Miguel)

Lino - Como se achas? Melhor? vejo-o mais forte...

Marcos - Aparências, amigo... Isto caminha mal. Rosinha, Miguel, deixem-me com meu amigo Lino.

Miguel (à parte para Marcos) - Meu pai, pense bem no que vai fazer.

Marcos - Tenho resolvido.

Os três médicos Cena I

Sala em casa de Marcos. Porta no fundo e à direita, mesa e cadeiras.

Marcos, sentado junto à mesa e, a seu lado, Rosinha e Miguel. Marcos mostra no semblante abatimento.

Marcos - Meus filhos, pouco tempo poderei viver. As forças abandonam-me. Tenho presentimento que minha morte bem próxima está...

Rosinha - Meu pai, não desanime! Espero em deus que esta sua moléstia será passageira.

Marcos - Passageira? Quando a vida assim se desorganiza é inevitável o seu fim.

Miguel - Esse temor é que pode tornar a moléstia grave, quando talvez seja ela ligeira, e em grande parte devida aos anos.

Marcos - Devida aos anos é ela, mas não como pensas... Os anos a têm exarcebado. Deus o sabe como!

Rosinha - Mas os médicos...

Marcos - Que pode a medicina em moléstia com a minha? Aos médicos não torno a culpa, que fazem eles o que aprenderam, e o que podem. A ciência é muitas vezes ineficaz.

Miguel - Se meu pai consultasse outro médico...

Marcos - A outro? Que mais queres que eu faça? São poucos os que aqui têm vindo? O meu médico assistente, o Dr. Cautério, é homem de reputação bem adquirida.

Miguel - Não contesto. Antigo, rotineiro e feliz muitas vezes, mas se meu pai não tem colhido vantagem com seu tratamento, para que não chama, por exemplo, um médico homeopata.

Rosinha - Assim é.

Marcos - Não creio em homeopatia.

Miguel - Se não a conhece! Peço-lhe um favor: um de meus verdadeiros amigos é o Dr. Miléssimo. Há pouco que chegou de Paris, aonde estudou com muita aplicação a homeopatia. permita que venha ele fazer-lhe uma consulta.

Marcos - Debalde! nada espero...

Miguel - O que lhe custa? deixe-o vir; talvez tire-se proveito.

Rosinha : Eu estou persuadida que ele será capaz de o por bom.

Marcos - Pois bem, que venha. Não quero que se queixem de mim. Ouvi-lo-ei; pouco me custa.

Rosinha - Já eu creio v~e-lo restabelecido e passeando alegre por esta sala.

Marcos - Alegre?... (levanta-se) escuta, Rosinha, falemos de ti, que és moça e que ainda podes viver longos anos - que isto por cá está velho e desarranjado. Quando eu morrer...

Rosinha - Meu pai!

Miguel - Senhor!

Marcos - Quando eu morrer, ficareis desamparados...

Miguel - Oh, enquanto eu viver, minha irmã...

Marcos - És oficial de Marinha; hoje estás aqui, amanhã ali...Precária proteção! de um marido precisa tua irmã - e este já escolhi.

Miguel - Quem é?

Marcos - O meu amigo Lino das Mercês.

Rosinha - Meu Deus!

Miguel - Ele?

Marcos - É um homem probo e honrado; tem a alma de um anjo. Farte-á feliz. Isso posso eu dizer poruqe o conheço há muito tempo. Tenho-lhe estudado caráter; andamos juntos na escola e desde esse tempo dura a nossa amizade.

Miguel - Marido tão velho!

Rosinha (à parte) - Andaram juntos na escola!...

Marcos - És um rapazola, Miguel, e só aos da tua idade julgas capazes de tudo. Tu, minha Rosinha, tens mais juízo. Isto é um louco. Meu amigo Lino far-te-á feliz.

Rosinha - Mas, meu pai, não desejo casar-me, e se ...

Marcos - Crê, filha que à borda da sepultura ponho todo desvelo em fazer-te ditosa... Casar-te-ás com ele, em breve, que assim te pede teu pai...

Rosinha (à parte) - Não é possível, meu Deus!

Miguel (à parte) - Veremos como isto será...

A beleza é Deus. Tá em toda parte, é um equilíbrio

Segunda-feira, 11 de Outubro de 76

São colocadas as cartolinas na parede. Dezoito. Uma para cada cena.
As cenas são pregadas nas cartolinas.
O espaço logo abaixo de cada cena será usado para escrever o que for a ela acrescentado.
Os espaços laterais serão usados para os gráficos de som e luz, intenções e coerências.


Antes da primeira cena:

  • A conferência sobre Martins Pena
  • Pisa nas palavras difíceis – usar o dicionário da época

Antes de cada cena:

  • Pisa nas palavras difíceis – usar o dicionário atuatual
  • Um dos atores diz em tom solene ou esculhambado os personagens e nomes citaEx: nessa peça falaremos sobre

Nas coxias as cenas serão pregadas na parede de três em três:

  • A que passou
  • A que se passa
  • A que passará

Intenção da peça (e cenas):

  • Arranjamos uma e a descrevemos.

Coerência

  • Uma coerência anterior (se o personagem cai em determinada cena ele já deve estar vindo tropeçando; ou não) e uma posterior (determinada coisa que acontece numa cena foi preparada nas anteriores e não deve se acabar totalmente nas posteriores).

Som

  • Usaremos dezoito fitas cassete. Uma para cada cena. Todas gravadas no lado 1.
  • Todas estarão no ponto zero.
  • Trabalharemos com 2 gravadores.
  • O som coincidirá com o texto ou fará alusões a ele.
  • O som fará um back ground (BG) da cena.

Luz

  • As cenas serão cortadas com luz.
  • Jogar com o escuro no final de cada cena.
  • As interrupções serão mais, ou menos longas.
  • Em algumas das cenas fazer brincadeiras com o desarrumar da cena. Não se apaga a luz e os atores ficam desorientados. Quando resolvem despistar e sair a luz se apaga.
  • Devemos colocar no teatro tudo o que acontece sem querer.
  • Um ator diz uma fala e alguém interrompe dizendo que ainda não é hora.
  • Podemos inventar bastante mas no sentido do que está se fazendo (a peça) não contra.
  • Começar a peça num momento legal. Ensaia-se depois as cenas mais parecidas. Como em cinema. Dando uma certa continuidade.
    Podemos descobrir coisas aqui sentados, porque mesmo calados estamos conversando, existem certos fluídos caminhando assim de uns para outros. Podemos descobrir durante os ensaios e ser organizar quando houver o que organizar.

A intenção da peça:

  • Muitas partes da peça escondem a intenção dela que se mostra bem claras algumas vezes (como na vida).
  • Tentar passar pro público a intenção da peça sem dizer diretamente – mas fazendo teatro.

Como descobrir a intenção da peça:

  • Ler o texto interpretando-o
  • Observar quando a intenção está próxima e quando não está
  • Quando se está no texto mais próximo da intenção talvez seja o momento que passa mais despercebido
  • Às vezes a intenção coincide no texto, na interpretação, no som, na luz – é o que chamamos de clímax

    Interpretar = deformar a peça.

A peça deve criar um ambiente onde o personagem entra como na vida.
Podemos fazer um espetáculo bonito:

  • Na geografia, na gravitação, no som, na maneira das pessoas estarem em cena.
  • Como uma cancã tudo é muito fácil, mas que ninguém saiba explicar comoé.
  • Trabalha-se com muito sentidos das pessoas, então devemos futricar a memória das pessoas. Colocar um incenso, uma luz mostrando e escondendo.
  • Um espetáculo bonito, de vidro, cristalino que negue uma série de certezas.

Há uma ideologia no ar. Uma estética do mal feito, do mal acabado. Mas a imitação mal feita do mal feito só deve interessar a quem sabe fazer bem feito. O mal feito é uma denúncia do que o bem feito é vazio. Desenvolveu-se tanto uma capacidade de se fazer, a estética foi tão dominada que se esvaziou o conteúdo.
As pessoas que acompanham este processo, os artistas, os críticos partiram para uma arte que é uma desistência dos acordos que ela mesma criou. Então, é bonito porque é esquisito. Os que não acompanham este processo, os que chegam depois... só imitam. Querem agora negar o que nunca afirmaram. Servem então de apenas um passo do fundo para que a arte se realize.

Cláudio: Já sei que teatro é esse que você está falando. Um teatro clássico.

Chico: Não sei. Pode ser. Clássico.O Rogério disse que era hiper-realista. Não precisamos ter medo dessas palavras: clássico, hiper-realista... O importante é perceber que a recuperação da beleza será a percepção de muitos daqui uns tempos. Descobrir num certo momento que é necessário uma coisa bela humana. As pessoas assistem uma coisa bela e ficam envergonhadas, preocupadas. Imaginem o Paulinho da Viola cantando uma música extremamente bela, uma ária, durante dez minutos. Tudo muito bonito no som, na luz, nos gestos. As pessoas ficariam encabuladas, com remorsos. Ele faria muito mais do que se cantasse uma música falando sobre bombas. Temos que fazer bonito, mas dentro das nossas limitações, como sabemos e podemos fazer.
A beleza é Deus. Tá em toda parte, é um equilíbrio.
Vamos ler? Brecht, Ápia, Girdon Craig (Nétodo ou loucura).

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Respeitar o texto ou a intenção do autor?

Sexta-feira, 8-10-76


Passam das quatro e quase ninguém na sala. As pessoas vão chegando aos poucos. Uma a uma. Começam a ler o texto com muita preguiça. Sem qualquer vontade. Quase cinco horas.

Chico: Quem quer ir embora?

Ana: Todo mundo. Não se tem nada pra fazer. Mas se tivesse todo mundo ficava.

Chico: Quem quer ir embora? Eu quero que algumas pessoas saiam, vão embora. (O Durvalino e o Pedrinho chegam) . Tô com idéia de fazer um documento pra Universidade, dizendo que não estou em condições de continuar o curso. Que querer fazer o curso foi uma pretensão minha. O que a gente faz? Como a gente faz?

Gustavo: Me entregue esta peça que eu faço.

Chico: Tá entregue.

Cláudio: Explique o motivo. Abra o jogo.

Chico: Acho que há pouca vontade de fazer. To preocupado em não enganar mais tempo. Nada faz crer que se vai realizar uma peça.

Cláudio: Temos lido a peça. Dois dias só já deu pra desistir?

Chico: Me declaro incapaz. Não conheço as técnicas do Ury Geller pra fazer funcionar.

Felipe: Acho que a incapacidade não é sua mas de todos nós.

Chico: A gente trabalha num sistema onde existem os que tem o poder e os que obedecem. Por isso eu fracassei. Só eu. Há um desânimo crescente. Mas se vocês quiserem que eu legalize esse encontro que vocês querem ter aqui nas tardes de segunda, quarta e sexta, me esforçarei e legalizo. Mas deixo bem claro que com muita vergonha de mim mesmo. Pro meu gosto eu vou até aquele guichê e digo que sou incompetente.

Cláudio: Vai, pode ir. Vai logo. Não vamos exercer nenhuma repressão sobre você. Você faz o que quiser.

Ana: Não, a gente deve continuar, mesmo que só se encontrando a gente continua.

André: Acho que o meio universitário não é criativo. É neurótico.

Chico: E não adianta a gente querer esconder isso. O que estamos fazendo aqui tem ligação com o Bandeijão, com as nossas conversas de depois das aulas, com as nossas dificuldades de pegar uma condução...

Gustavo: Acho que não devemos ficar caídos diante de uma dificuldade.

Chico: O que podemos fazer é unir nossas desgraças. Mas só se quisermos. A gente deve tomar consciência do que estamos fazendo. Se isso não acontecer continuamos sempre a fazer inconscientemente.

Gustavo: Qual a opção?

Chico: Será que ela já existe pronta? Temos que pensar. Estou disposto a enfrentar a crise.

Cláudio: Confessando-se incapaz e tudo continuando na mesma?

Gustavo: Meras vítimas!!!

Carlos: Acho que a gente devia ler o texto em vez de ficar só discutindo.

Chico: Antes de você chegar, o pessoal tava lendo e muito desanimado sem qualquer por que.

Carlos: Apesar de tudo eu acredito nessa peça. Acho que vai ser a melhor peça que vai pintar nessa Brasília.

Gustavos: Como legal? Se ela nem vai acontecer...

Carlos: Poxa, já gastei dinheiro com as cópias do texto que eu mandei fazer...

Chico: Eu financio os textos. Clara, por favor, vá até a biblioteca e tire mais dez cópias.
(Clara, Ruth e Bia vão à biblioteca tirar as cópias. Chegam com as cópias. Os textos são grampeados e distribuídos).

A conversa é reiniciada. Não uma conversa de não fazer. Mas de se fazer e como:

Carlos: Acho que devemos apresentar o texto na íntegra. Fazer um contraste com a linguagem antiga e a atual. Antiga, a do texto. Atual, a das brincadeiras.

Antônio: E a caracterização dos personagens? Os personagens que existem mesmo na peça podem estar caracterizados retratando a época. Os personagens incluídos, os que fariam as brincadeiras não precisariam estar caracterizados dessa mesma maneira.

Carlos: No cenário não deve haver nada que indique a época.

Antônio: Acho que a gente não deve ficar planejando muito, a gente devia trabalhar com as idéias que vão aparecendo.

Carlos: Acho que não devemos nos preocupar com a adaptação do texto à nossa época.

Chico: Podemos fazer uma pesquisa das palavras difíceis que aparecem no texto, num dicionário antigo e no novo. Distribuir isso depois no programa da peça. Podemos fazer uma conferência (Quem é Martins Pena) antes do início da peça. Fazer também no início uma brincadeira com as palavras difíceis. Há por aí uma discussão sobre respeitar ou não o texto. Uma discussão ridícula. Devemos respeitar as palavras ou a intenção do autor? Podemos fazer uns gráficos: da música, dos objetivos, das intenções, das anotações de som, luz. Estas anotações podem ser corrigidas.


PODEMOS: inventar um processo de como montar uma peça.
VAMOS TOPAR DESCOBRIR ESTE PROCESSO?


  • Como decorar o texto?
    Um dos erros sempre cometidos é de se começar do início. Podemos considerar uma peça um objeto circular. Fazendo os gráficos vamos descobrir o momento mais vivo, mais importante da peça. Podemos começar a fazer daí. Começamos pelas cenas mais fortes quando chegarmos às mais fracas podemos fazer ela com um brilho maior.
  • Podemos estudar um ordem para a peça, antes de iniciá-la faremos:
    1. A conferência; 2. A pisa (surra) nas palavras difíceis; 3; Umas cenas, as mais importantes e só depois se começa.
  • Vamos registrar nossas idéias e refletir. A reflexão é uma conceituação. Quando fazemos a peça não conseguimos fugir da nossa conclusão de intelectual mas isso não deve impedir a gente de fazer a peça numa boa.
  • Faremos os cartazes. Cada Cartaz uma cena da peça. Registraremos tudo. A organização com os cartazes organiza, mas também desorganiza. Teremos um caos organizado.
  • Temos capacidade de discutir. Nossas idéias se atritam. Desse atrito sairá uma, sairá umas, e muito mais.
  • Podemos pensar num cenário com caixas de remédios. Brincar num limite de não se prejudicar o histórico da peça: aquela elegância da época retratado na peça.
  • Vestuário: Deixar pra discutir quando as idéias ficarem mais claras.
  • O teatro de Martins Pena não era sério. Era descontraído, um teatro de brincadeira, artesanalmente precário.
  • Tem coisas que não tão escritas na peça e que a gente pode inventar. Sem palavras. Só cenas. Ex: Os médicos vão ver um strip-tease, mas de homem.
  • A credito que os momentos mais criativos são os das brigas. Quando pinta uma insuportável é que se dá o salto, Eu confio nessas brigas. Por isso passo pelas crises de cabeça fria.
  • Precisamos descobrir os elementos simbólicos que usaremos. Os da cultura. Por exemplo: as falas da Rosinha podem ser ditas como as falas de uma missa. Um pouco cantadas. A peça pede muita colaboração nossa. S
  • Sei que as situações pintarão. Num esforço agora sentados ou durante a montagem, em pé, fazendo. Compreendo também que não se precisa planejar muito não.

Fazer de forma escandalosa e ajustar depois...

Quinta-feira, 7-10-76

Fazer a peça num ambiente de alta esculhambação. Muito escândalo. Depois uma repressãozinha pros acertos.
Variar as falas da peça.
Apresentar o texto na íntegra.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Eu queria apontar o sol antes que a noite aconteça...

Quarta-feira, 6-10-76


Alguém pergunta:

-Vamos montar a peça infantil? Desistimos mesmo?

Chico pede pra que alguém leia os objetivos do curso.

Ana lê:

  • Desenvolver exercícios dentro dos processos mais usuais no teatro envolvendo todas as atividades necessárias para a apresentação de peças em algumas modalidades que guardem relações de intimidade com a cultura brasileira e com o fenômeno educacional.
  • Não consta nos objetivos que se deveria ser montadas as peças. Mas desenvolver exercícios... A peça infantil provocou atritos. Para se montar uma peça precisa haver certas coincidências. E elas não aconteceram. Quando a peça infantil tava sendo montada, se fez tudo pra que não fosse. Conseguimos isso. Agora que conseguimos, tamos fazendo tudo para ela ser montada de novo. Turma, vamos deixar de brincadeira?

Sobre a bibliografia: quem trouxe alguma relação de livro entregar pra Clara ou Bia. É pra se procurar a bibliografia nas áreas afins.

Sobre o musical. O que foi que imaginaram? Precisamos de um esquema geral.

Luiz: pensamos reunir músicas brasileiras que marcaram época, usando a coreografia também da época. A gente podia pensar em carnaval, folclore, brincadeiras.

Daniel: A gente podia usar gritos, barulhos, fazer coisas sem instrumentos, sem artifícios. Usar gestos, movimentos.

Alguém pergunta: O musical é pra adulto ou criança?

Marilena: Acho perigoso falar sobre o que é infantil nessa sala. Já deu muita confusão.

Chico: Se quiser, pode sair...
Turma, vamos sentar no chão?
Aposto que sentados no chão nossas conversas serão diferentes. Conversemos.
Quem gosta de canções infantis, os adultos ou as crianças?

Roberto: Ninguém. Todo mundo agora só quer saber de televisão.

Chico: Vou mostrar pra vocês uma historinha que eu trouxe. Cada um lê e vá passando.
Eu penso que a gente inventa um assunto pra se conversar no lugar do que se deve estar conversando. A gente fica, e quando a gente enfrenta o assunto inventado, as pessoas despistam. (Conversando em coisas de adulta e criança como se acreditasse no que se fala)

O assunto era: idéia pro musical.
A questão inventada foi: adulto ou infantil.
Enfrentamos e o que aconteceu: despistamento, a conversa sobre televisão.

Historinha que eu mostrei: Foi porque eu queria apontar o sol antes que a noite aconteça.

- Voltemos a falar sobre o musical: Não prestem atenção ao que a Laurete diz. Ela tem se mostrado uma boa censora das idéias que aparecem aqui.
- Se faz umas coisas bem esculhambadas.
- E depois se critica. (Os professores de educação se reúnem em congressos pra malhar a escola que praticam).

Pedro: O musical pode ser uma crítica à Brasília. Ninguém fez isso ainda.
- Podia ter a inauguração, colocar uma fita no palco pra ser cortada.
- Como surgiu o nome Catetinho
(A inauguração. Alguém diz alguma coisa e cortava a fita).
- Isso é muito antigo.
- Eu nunca vi!

Daniel: Eu acho que os prédios de Brasília não foram feitos pra durar pouco. Acho que duram uns duzentos anos, ou mais, uns trezentos. São de concreto assim...
- Risadas...

Chico: Queria saber com quem o Daniel ri das esculhambações que ele faz aqui na sala. Queria conhecer a turma dele e do Augusto também.

Pedro: O musical podia ser como a gente vê Brasília. Não tem ainda uma literatura sobre o assunto. Um poema sobre as pessoas, os bares da cidade.

Augusto: Já escreveram sim sobre Brasilia. A Maria Clara Machado já escreveu.

Chico: Já falamos aqui que os ideais de autenticidade e espontaneidade são maiores que o de originalidade. Afinal como diz um provérbio secular: não há nada de novo na face da terra. Não vamos obstruir não turma! Obstruir é chato! Mas o Augusto se quisesse, se pudesse, podia também derrubar o argumento do Pedrinho de que não há nada escrito sobre Brasília, falando que o Tom e o Vinícius escreveriam.

Pedro: Tô pensando em alguma coisa bem descontraída. Não precisaria se inventar personagens. Os personagens seriam nós mesmos.

Laurete: E a coreografia? Coreografia é muito difícil.

Chico: Achar uma coreografia é fácil. O diabo é que ficamos pensando em coisas exóticas tipo Gene Kelly... Tem uma coisa que é coreografia e outra que a gente chama de coreografia.

Pedro: A gente pode satirizar a coreografia.

Chico: Coreografia segundo a Laurete é uma coisa diferente do que estamos fazendo aqui. Coreografia para a Laurete é uma coisa ensaiada , combinada. Isso pra mim chama-se iniciação à tortura.

Pedro: A gente pode pensar em coisas assim: - Vamos fazer movimento estudantil? E aí todo mundo começa a se mexer. (Se mexe).

Pedro Paulo: Podíamos fazer um musical com músicas que nós lembramos. Canta meu limão, meu limoeiro.

Chico: Você tá lembrando dessa música aí ou do Simonal.

Arão: Vamos escolher um tema?

Chico: A Márcia tem uma idéia, não sei se ela vai dizer... Sobre Brasília o Clodo tem uma música muito bonita. Eu também. Esses musicais nobres: Arena canta Zumbi, Liiberdade/Liberdade mentem pro danado. O musical é mais ou menos uma festa depois tem umas inclusões bem sérias. A música nada tem a ver com o clima das falas.

Arão: Depois de falar sobre o crescimento de Brasília, fazer uma coreografia, música, barulho de carro, maquinas de tirar fotografias, turistas chegando na catedral. Niemeyer dizendo não basta esta cruz.

Chico: Sobre o musical só temos essas idéias? Então a gente conversa agora sobre os três médicos.


Os três médicos


A gente pensa essa peça pro Arena ou Martins Pena? Arena? Então podemos colocar uma pessoa vestida de azul marinho rodeando o tempo todo a Arena. Por quê? Coisas da vida. É o vigia do nosso bloco. É o vigia da peça. É chato fazer as coisas explicando por que.
Podemos colocar aqui na sala umas cartolinas. Em cada uma delas se faria anotações de cada uma.
Faremos um gráfico das coincidências. Por exemplo: se numa cena um personagem tem medo de cachorro. Em outra cena esse medo tem também que aparecer.

"Em comparação com o começo, eu desanimei muito"

Segunda-feira, 4-10-76

Antes do início da aula o depoimento do Pedrinho:

Agora é a parte mais difícil do curso, do trabalho do grupo porque havia se proposto muita coisa: fazer a história da casa, os 3 médicos e agora ninguém tá fazendo nada.

Teve esse lance aí por parte do Chico de não se fazer as peças.

O início do curso foi bom, apesar do Durvalino ter dito que seria difícil fazer um trabalho porque ninguém se conhecia.

Quando foram apresentados os textos houve muita confusão. Eu disse que os textos não tavam com nada.

Eu acho que não precisava ler Cecília Meireles. Não precisava ler nada antes de se fazer o texto. Mas só depois de ter feito, de ter se criado uma estrutura a gente buscaria estas coisas para enriquecer o texto. Vou fazer uma analogia: primeiro a gente compra o terreno, depois o material para casa. Não o contrário. Quando a Ruth trouxe o gravador com aquelas músicas pra peça não havia ainda se estruturado um texto. Se houvesse, a gente podia ter discutido se o que ela havia trazido servia ou não.

Agora, essa de se suspender as aulas pra se procurar uma bibliografia. Sou contra fazer isso durante o tempo de aula. As aulas são poucas. Por isso devem ser aproveitadas ao máximo com ensaios. E não com discussões como tem acontecido.

Penso assim: se a gente quer fazer teatro, o produto final é a peça montada, não o texto que é só um caminho pra se fazer teatro.

Agora nesta fase tô meio desanimado. Eu resolvi me dedicar a um só trabalho: os 3 médicos. Porque é à noite, eu acho melhor. O pessoal não vem ao ensaio porque a gente é um grupo, porque faz parte de uma turma que tem como ponto de referência a presença do professor pra dar força pro pessoal vir aqui. Eu, o Arão, o Durvalino temos vindo pros ensaios e não encontramos ninguém, nem o Chico. Acho que os outros ficaram desanimados por causa da dispensa das aulas pra se procurar a bibliografia.

Acho que existe clima pra se desenvolver qualquer trabalho. Por que não se desenvolve? As pessoas tão reunidas não como um grupo com vínculos. Mas como uma turma fazendo teatro como matéria que vale seus créditos, influi no MGA, etc. Falar como eu vejo as pessoas no curso acho que não devo, porque não é um grupo, mas um ajuntamento de pessoas.

Pelo que eu conversei com a Márcia, há pessoas que não estão afim de trabalhar como atores, mas só assessorando. Acho que todo mundo tem condição de trabalhar como ator. Tive vontade de pedir pra dirigir, fazer com que todo mundo participasse como ator de um laboratório, de uma criação coletiva. As pessoas não participam porque não houve um clima. Não houve uma chamada partindo do professor pra que elas participassem. Igual a que eu fiz quando eu chamei todo mundo pra construir a casa.

Acho que o grupo tá disperso.

Minha experiência em Planaltina: tô transando teatro com um pessoal de lá. Primeiro houve uma preparação: exercícios, dicção, etc. Coisa que na Oficina não pode ter. Tem umas treze pessoas participando do grupo e acontece durante um exercício de não ficar ninguém observando. Então a gente tem de escalar pelo menos duas pessoas pra observar e depois contar pro resto da turma como viu a experiência. Mas eu não espero que o pessoal tome iniciativa. Se eu ficar assobiando, esperando o tempo todo por eles não vai acontecer nada. Sempre no início é preciso de uma pessoa que coordene, que seja um líder sem ser um ditador.

Depois, essa pessoa com o desenvolvimento do processo podia até ser banida dele, tornar-se dispensável. Se aparecesse uma pessoa do próprio grupo que não fosse o professor pra fazer isso, seria melhor ainda. Eu muitas vezes na oficina pensei em tomar essa atitude. Acho que essa do Chico se excluir esperando que as pessoas tomem iniciativa é o maior erro da Oficina. Isso só daria certo depois que o trabalho houvesse ganho uma velocidade. Não sei porque o Chico fica saindo o tempo todo da sala de aula. Um dia eu faltei lá em Planaltina e no outro dia de encontro as meninas todas do grupo combinaram de não ir. Ficaram chateadas. Precisei escrever uma carta explicando.

Para os 3 médicos penso o seguinte: poderia se formar um grupo de oito pessoas que se disprisessem a se encontrar toda a noite. A gente depois poderia até dispensar a função do coordenador (Chico) depois de uma etapa de trabalho. Porque seriam pessoas envolvidas numa coisa que estão dispotas a fazer. Istó é importante porquena na oficina existe muita coisa que se faz sem vontade de fazer. Ou se tem vontade e não se faz.

Uma sugestão pro trabalho ir pra frente: já que está penoso se trabalhar com um grupo grande, dividir em três: um grupo pros 3 médicos, um pra casa, outro pro musical. Esses grupos trabalhariam em horários diferentes e quem quisesse podia fazer parte dos três. No começo o Chico devia estar presente em todos os três. Da metade dos trabalhos em diante não precisaria ir mais. As pessoas já teriam amor pelo que estavam fazendo.

É muito difícil um grupo trabalhar desde o início sem qualquer direção. Tô vendo que o semestre tá no fim e a gente não fez nada. Achei um absurdo suspender aula pra se procurar bibliografia. Teatro é um trabalho prático. A teoria vem depois. É um absurdo dispensar um tempo que a gente podia estar junto, criando relacionamento, ensaiando, pra procurar bibliografia.
Acho que esse negócio de não se fazer mais a peça, esta decisão foi pra cutucar o pessoal, ver quem tá mesmo afim de continuar o trabalho. Já houve outras vezes. O Chico já reclamou outras vezes. Já falou em cancelar o curso...

Em comparação do começo desanimei muito. Hoje se falto, chego atrasado, nem ligo. Se a gente não começar hoje a ensaiar os 3 médicos, vou ficar o resto do curso só dando umas ajudadinhas aqui e ali, mas sem o ânimo que eu tinha no começo.

Quatro horas e 10 minutos: Estão na sala de aula, Bia, Chico (lendo as anotações feitas pela Clara da aula passada), Clara (lendo jornal) e Pedrinho (folheando o livro “Comédias”, com obras de Martins Pena).
No dia 01/10 não houve aula.