terça-feira, 4 de novembro de 2008

Os três médicos Cena V

Cautério e Lino

Cautério -
Licença...

Lino -
Oh, o Dr. Cautério! Como vai?

Cautério - Como passa o nosso doente?

Lino - Anda muito apreensivo.

Cautério - Mal é isso. Com o moral não podemos nós. Com licença. (Assenta-se.) estou cansadíssimo! Má vida, Sr. Lino, má vida é a do médico!

Lino - O doutror zomba; dizem que é dos melhores...

Cautério - Experimenta-na.

Lino - Nenhum capital e avultados lucros...

Cautério - Sempre esta questão de dinheiro... Questão eterna!

Lino - É vital!

Cautério - Não contam os incômodos, os dissabores e os desgostos por que passamos. E o calotes... Somos como criados do povo. Julgam-se todos com direitoao nosso saber, tão arduamente adquirido e tão pouco reconhecido! Não temos hora, dia nem descanso... Salva-se o doente, agardeces-e à natureza; morre o doente, culpa-se o médico. Que recompensa a notes de estudos e de insônia! Em nossos braços morrem a esposa, o amigo, os filhos, sem lhe possamos valer. A nossos pés se arrastra a deplorada família pedindo a vida para o seu pai, cabeça e arrimo, que todos os esforços da arte não puderam salvar. E essas cenas de angústia se reproduzem (...) Que vida! E invejam-na!...

Lino - Este é o único lado mau. E o bom?

Cautério (levantando-se) - O único? E essa súcia de inovadores, magnetizadores, hidropatas e homeopatas com que lutamos todo os dias? (Tira um Jornal do Comércio da algibeira.) Aqui estão nestas colunas as mais nojentas diabitres, os mais asquerosos insultos que esses charlatões cospem contra a nossa face.

Lino - Nunca gostei destas descompusturas...

Cautério - E que homem sisudo pod egostar? Discuta-se , argumente-se e apresentem-se raz~ies, e sobretudo fatos; seja a contenda científica, que será aproveitoso, mas assim como ela apareceu e aparecerá ainda entre nós é pernicioso. Essas personalidades infames indispõem os homens e não esclarecem os médicos.

Lino - Mas doutor, o senhor e os seus também têm culpa nisso!

Cautério - Fomos, os agredidos! Assim devia ser... Quando se não tem razão, responde-se com insultos. E aonde iriam buscar os homeopatas razões convincentes para oporem as nosssas? Onde? Há sistema mais absurdo e ridículo que a homeopatia? Onde as bases em que se firmar - similia similibus curantur? Absurdo! Contraria contraríis curantur - eis a verdade! Há nada mais natural e simples do que tratar o calor pelo frio, o seco pelo úmido, os humores pelos laxantes, a sua acridade pelo álcalis, etc., etc.? O contrário disto não tem o senso comum. A alopatia é o grande e verdadeiro sistema e... Mas, aí, que eu estou aqui a questionar e o doente estpa a minha espera! Com licença. (Sai pela direita.)



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