segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Respeitar o texto ou a intenção do autor?

Sexta-feira, 8-10-76


Passam das quatro e quase ninguém na sala. As pessoas vão chegando aos poucos. Uma a uma. Começam a ler o texto com muita preguiça. Sem qualquer vontade. Quase cinco horas.

Chico: Quem quer ir embora?

Ana: Todo mundo. Não se tem nada pra fazer. Mas se tivesse todo mundo ficava.

Chico: Quem quer ir embora? Eu quero que algumas pessoas saiam, vão embora. (O Durvalino e o Pedrinho chegam) . Tô com idéia de fazer um documento pra Universidade, dizendo que não estou em condições de continuar o curso. Que querer fazer o curso foi uma pretensão minha. O que a gente faz? Como a gente faz?

Gustavo: Me entregue esta peça que eu faço.

Chico: Tá entregue.

Cláudio: Explique o motivo. Abra o jogo.

Chico: Acho que há pouca vontade de fazer. To preocupado em não enganar mais tempo. Nada faz crer que se vai realizar uma peça.

Cláudio: Temos lido a peça. Dois dias só já deu pra desistir?

Chico: Me declaro incapaz. Não conheço as técnicas do Ury Geller pra fazer funcionar.

Felipe: Acho que a incapacidade não é sua mas de todos nós.

Chico: A gente trabalha num sistema onde existem os que tem o poder e os que obedecem. Por isso eu fracassei. Só eu. Há um desânimo crescente. Mas se vocês quiserem que eu legalize esse encontro que vocês querem ter aqui nas tardes de segunda, quarta e sexta, me esforçarei e legalizo. Mas deixo bem claro que com muita vergonha de mim mesmo. Pro meu gosto eu vou até aquele guichê e digo que sou incompetente.

Cláudio: Vai, pode ir. Vai logo. Não vamos exercer nenhuma repressão sobre você. Você faz o que quiser.

Ana: Não, a gente deve continuar, mesmo que só se encontrando a gente continua.

André: Acho que o meio universitário não é criativo. É neurótico.

Chico: E não adianta a gente querer esconder isso. O que estamos fazendo aqui tem ligação com o Bandeijão, com as nossas conversas de depois das aulas, com as nossas dificuldades de pegar uma condução...

Gustavo: Acho que não devemos ficar caídos diante de uma dificuldade.

Chico: O que podemos fazer é unir nossas desgraças. Mas só se quisermos. A gente deve tomar consciência do que estamos fazendo. Se isso não acontecer continuamos sempre a fazer inconscientemente.

Gustavo: Qual a opção?

Chico: Será que ela já existe pronta? Temos que pensar. Estou disposto a enfrentar a crise.

Cláudio: Confessando-se incapaz e tudo continuando na mesma?

Gustavo: Meras vítimas!!!

Carlos: Acho que a gente devia ler o texto em vez de ficar só discutindo.

Chico: Antes de você chegar, o pessoal tava lendo e muito desanimado sem qualquer por que.

Carlos: Apesar de tudo eu acredito nessa peça. Acho que vai ser a melhor peça que vai pintar nessa Brasília.

Gustavos: Como legal? Se ela nem vai acontecer...

Carlos: Poxa, já gastei dinheiro com as cópias do texto que eu mandei fazer...

Chico: Eu financio os textos. Clara, por favor, vá até a biblioteca e tire mais dez cópias.
(Clara, Ruth e Bia vão à biblioteca tirar as cópias. Chegam com as cópias. Os textos são grampeados e distribuídos).

A conversa é reiniciada. Não uma conversa de não fazer. Mas de se fazer e como:

Carlos: Acho que devemos apresentar o texto na íntegra. Fazer um contraste com a linguagem antiga e a atual. Antiga, a do texto. Atual, a das brincadeiras.

Antônio: E a caracterização dos personagens? Os personagens que existem mesmo na peça podem estar caracterizados retratando a época. Os personagens incluídos, os que fariam as brincadeiras não precisariam estar caracterizados dessa mesma maneira.

Carlos: No cenário não deve haver nada que indique a época.

Antônio: Acho que a gente não deve ficar planejando muito, a gente devia trabalhar com as idéias que vão aparecendo.

Carlos: Acho que não devemos nos preocupar com a adaptação do texto à nossa época.

Chico: Podemos fazer uma pesquisa das palavras difíceis que aparecem no texto, num dicionário antigo e no novo. Distribuir isso depois no programa da peça. Podemos fazer uma conferência (Quem é Martins Pena) antes do início da peça. Fazer também no início uma brincadeira com as palavras difíceis. Há por aí uma discussão sobre respeitar ou não o texto. Uma discussão ridícula. Devemos respeitar as palavras ou a intenção do autor? Podemos fazer uns gráficos: da música, dos objetivos, das intenções, das anotações de som, luz. Estas anotações podem ser corrigidas.


PODEMOS: inventar um processo de como montar uma peça.
VAMOS TOPAR DESCOBRIR ESTE PROCESSO?


  • Como decorar o texto?
    Um dos erros sempre cometidos é de se começar do início. Podemos considerar uma peça um objeto circular. Fazendo os gráficos vamos descobrir o momento mais vivo, mais importante da peça. Podemos começar a fazer daí. Começamos pelas cenas mais fortes quando chegarmos às mais fracas podemos fazer ela com um brilho maior.
  • Podemos estudar um ordem para a peça, antes de iniciá-la faremos:
    1. A conferência; 2. A pisa (surra) nas palavras difíceis; 3; Umas cenas, as mais importantes e só depois se começa.
  • Vamos registrar nossas idéias e refletir. A reflexão é uma conceituação. Quando fazemos a peça não conseguimos fugir da nossa conclusão de intelectual mas isso não deve impedir a gente de fazer a peça numa boa.
  • Faremos os cartazes. Cada Cartaz uma cena da peça. Registraremos tudo. A organização com os cartazes organiza, mas também desorganiza. Teremos um caos organizado.
  • Temos capacidade de discutir. Nossas idéias se atritam. Desse atrito sairá uma, sairá umas, e muito mais.
  • Podemos pensar num cenário com caixas de remédios. Brincar num limite de não se prejudicar o histórico da peça: aquela elegância da época retratado na peça.
  • Vestuário: Deixar pra discutir quando as idéias ficarem mais claras.
  • O teatro de Martins Pena não era sério. Era descontraído, um teatro de brincadeira, artesanalmente precário.
  • Tem coisas que não tão escritas na peça e que a gente pode inventar. Sem palavras. Só cenas. Ex: Os médicos vão ver um strip-tease, mas de homem.
  • A credito que os momentos mais criativos são os das brigas. Quando pinta uma insuportável é que se dá o salto, Eu confio nessas brigas. Por isso passo pelas crises de cabeça fria.
  • Precisamos descobrir os elementos simbólicos que usaremos. Os da cultura. Por exemplo: as falas da Rosinha podem ser ditas como as falas de uma missa. Um pouco cantadas. A peça pede muita colaboração nossa. S
  • Sei que as situações pintarão. Num esforço agora sentados ou durante a montagem, em pé, fazendo. Compreendo também que não se precisa planejar muito não.

Nenhum comentário: