quarta-feira, 20 de maio de 2009

Aviso aos navegantes!!!

Este é um blog especial. Tem começo e fim.

Nos posts estão transcritas minhas anotações das aulas da Oficina Básica de Teatro e Dança, ministrada por Francisco Augusto Pontes, conhecido por Chico Pontes e Augusto Pontes, ligado ao chamado Pessoal do Ceará que desembarcou, na década de 70 em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, e do qual fazem parte Belchior, Fagner, Petrúcio Maia, entre outros.

O interessante é ler o blog de baixo para cima. Ou melhor, do primeiro para o último post. Ainda juntarei todos em um só para facilitar a leitura, a reflexo e até mesmo o debate.

Resolvi publicar, por meio deste blog, minhas anotações porque eram importantes demais para ficarem engavetadas. As opiniões, procupações e devaneios de Chico podem ser lidas no presente. São atuais. O tempo tornou-as ainda melhores.

Abraço a todos que se debruçarem sobre essas anotações e se animarem a registrar algum comentário. O espaço está aberto e é infinito.

Chico faleceu em Fortaleza, na sexta-feira, 16 de maio de 2009, aos 73 anos.

domingo, 23 de novembro de 2008

Anotações 07 - O aplauso desmancha a tensão provocada pela peça...


Botei aqui, em 14 minutos marcados, o que eu penso sobre ensaio e apresentação. Quando defendo a apresentação única, não tô dizendo que não se deve repetir o processo de fazer. Mas que lição a gente tirou?



  • A gente pode tentar fazer e se fez.

  • O ato de ensaiar é como aquecimento. Não quer dizer que se vá jogar assim.

  • A apresentação nunca é a mesma mas as pessoas fingem ser. As pessoas riem, ficam raivosas ou sérias porque notam o que se espera delas.

  • As coisas mudam naturalmente e não devemos nos assustar com as mudanças.

  • Não se assustar se um dia o público ri numa determinada cena, e noutro dia não. Os atores levam a família pra bater palma pra eles. Então não é preciso fazer nada. É só esperar pelas palmas. O aplauso desmancha a tensão provocada pela peça, o instante mágico em que se separa a peça da vida.

  • Não havendo o aplauso, a energia não se dilui na vida, sobe para a consciência. Mas os atores não deixam fazer. E isso é uma verdadeira intervenção federal. Depois falam da censura. Os meus espetáculos são claramente uma procura.

Anotações 6 - Avisar pelo jornal que se vai fazer a Nau Catarineta, os interessados que se apresentem...

Chico:

Minhas idéias de teatro são pobríssimas. Um prédio. Uma peça. Quero me associar às pessoas que querem fazer.

Tenho uma idéia vaga do cenário: Uma corda, um cabo grosso que saísse do teto, do infinito e se desmanchasse num rolo. Uns barris. Um ambiente sombrio, mas preciso. Dar uma idéia de navio e também uma de interior. Penso também em outros elementos: Escrever no chão do galpão, fazer umas aparições. Fazer um espetáculo parado.


  • Sistema de iluminação: No sentido de se dar um certo balanço de Nau. Grupo de holofotes apagando-se alternadamente nas laterais. Os do meio ficando sempre acesos.

  • A partir das pessoas que se reunissem para fazer essa peça, pensaríamos na possibilidade de se fazer uma entidade (a Cooperarte).

  • Para fazer os 3 médicos, ensaiaríamos primeiro, diversas situações sem o texto, com a finalidade precisa de se saber uma coleção de gestos a serem depois usados com o texto: a barbearia, o padre.

  • Como continuar? Para os próximos cursos: Monitor, Bolsa de trabalho, Estágio.

  • Quero montar a Nau Catarineta, do Altimar Pimentel. É uma esperança. A peça é um auto-de-espera. O Alexandre, o Dod, eu Chico, o Altimar se reúnem inicialmente. Depois avisam pelo jornal e todas pessoas que se interessem pela idéia se apresentam.

  • Quem se emocionar com a possibilidade de apresentar uma peça pulsante, bonita, se apresenta e depois continua. Estou encantado com a possibilidade de se fazer um espetáculo bonito.

Anotações 05 - Colocar em cena o livro do qual a peça foi erguida...

Antes da apresentação dos 3 médicos

Chico:
É o seguinte, o André atrapalhou a peça dura muito tempo. Agora é a Ana. Há também os que não aparecem. Esses não se comprometem.
Precisamos liberar o texto. Liberar o espetáculo.
É preciso colocar em cena o livro do qual a peça foi erguida. É preciso a presença de alguém lendo. Quem lê está fazendo a celebração do espetáculo. O livro do qual a peça foi erguida...
- É um livro?
Chico:
Você duvida? Duvida que é letra de livro?
-
É de máquina.
Chico:
Veja então as páginas numeradas.
- Pode ser uma revista.
Chico:
Você já viu uma revista de 250 páginas?
- Já.
Chico: Revista médica, científica?
-
Catálogo.
Chico: E você já viu uma peça num catálogo?
-
Não.
Chico:
Então não há dúvida. Essa peça tá num livro.
- Quem lê não representa?
Chico:
Representa. Representa o papel de ler. Uma idéia: Podemos ser cartazes vivos. Mas não sejamos a grama. Nem atrapalhamos a ordem. As iniciativas que tomamos devem combinar coletivamente. Fazer a peça com os atores carregando e descarregando um caminhão de coca-cola. Moral: Enquanto vocês trocam frases de emoção a Coca-Cola faz distribuição.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Anotaçãoes 4 - Inventar o gesto e, depois, dar o sentido

Segundo semestre de 1976
Texto sem marcação de dia e mês

Precisamos passar a descobrir os gestos escondidos. Eles são mais ricos, mais precisos. Descobrimos e incorporamos. Estou muito alucinado?

O que temos feito é inventar o gesto, e depois querer dar o sentido. Então, qualquer gesto regula as frases da vida. Mas o caminho é descobrir os gestos que já tem sentido e usá-los.

Ser Sepulto - A única marcação era os atores conversando com a platéia.

  • Vou confessar: Só vou conseguir fazer teatro do jeito que estou pensando se conseguir a credibilidade de vocês. Tenho umas crendices contra as quais vocês lutam: ler a cultura brasileira; os costumes; as tigelas...

    As inconsciências para mim, eu vejo na cara. Aí eu vou e destruo. Isto aqui é uma cartase para mim. Senão eu morro. Preciso disso.
    A apresentação/ensaio que fizemos dos 3 médicos representou uma vergonha para a casa. O que a gente faz para acalmar isso?
    O vice-reitor viu. E ficou legalizado. Se se está inocente.
    Não pode continuar assim, esses pássaros inocentes. É preciso sujar as asas. O convite aí fora é o da ordem, da clareza. Nas para existir essa ordem é preciso que ela seja perturbada para ser novamente restaurada. Quando as coisas estão congelando têm que assustar. As lições que tiramos da apresentação que fizemos:
  • Podemos fazer teatro.
  • Só se soube que fez teatro depois da apresentação.
  • O que diferencia o ensaio do espetáculo é a presença do público.
  • Ficou bem claro que o público dirige o espetáculo.
  • Durante todo o tempo passamos teimando com as coisas que fazíam.
  • Partimos de uma idéia arbitrária: Decorar o texto. Depois passamos a ser mais espontâneos.

    Coisas que podemos pensar para o curso do próximo semestre
  • Monitoria, bolsa de trabalho, estágio.

Para agora:

  • Formar um grupo para montar Nau Catarineta. Peça cantada na base de coros. Quero fazer um espetáculo bonito. Inquebrável. Mas transparente, como se fosse de vidro. A estrutura do galpão se presta a dar idéia de uma Nau. O teatro escuro, só uma réstia de luz. Transar uma de cheiros, incensos. Um espetáculo: Azul/Matreiro /Que dê calafrio /Pausado
  • Fazer uma coisa diferente das irresponsabilidades que existem por aí. Fazer com trabalho. Quero fazer também uma ópera nordestina. Mas isso é outra conversa.

Anotações 3 - Aconteceu e o incessante continua...

Segundo semestre de 1976
Texto sem marcação de dia e mês

Chico - Alguem já disse: Não sou teórico das coisas que eu faço. Minha teoria é não ter teoria. Sou uma ordenada, sistemática, racional. As coisas mudam quando eu aqui chego, e mudam também pra obra da minha ausência.

  • Havia, há aqui, um convite para se fazer as coisas sem pensar. Ninguém ta disposto a conversar.
  • O discurso agora é violento, imposto. Há o abandono da persuasão. Não há também vontade de cooperação.
  • A gente passa a vida toda elogiando nos bons jogadores, mas eu também sou um bom jogador. Bons jogadores quando atuam são capazes de mudar as coisas positivamente. Porque as mudanças que ocorrem quando eu chego têm que ser necessariamente negativas?
  • A peça aconteceu. Aconteceu no meio de outras. E o incessante continua. Não sei o que é estar consciente, o que é inconsciente. O que eu vejo: A história, a ciência me diz, que há coisas que acontecem no estado de consciência e outras num estado de prontidão para as coisas.

Gustavo dá uma gargalhada

Chico - Quando não gosto, gozo, brinco, depredo. Eu queria escandalizar um pouco mais. Eu realmente sou inteligente, pessoa de qualidades excepcionais. Meus palpites não são aceitos. Os palpites de Rui Guerra são aceitos, e é uma pessoa menor que eu. Sou humilde, simples. E acho a modéstia uma doença. Sou uma personalidade asfixiante até certo ponto.
Já fiz vários testes, eu sou uma personalidade excepcional. Sou um indivíduo extremamente crítico. Muitas coisas que eu tento fazer, não consigo. Há uma intranqüilidade para se dar opiniões. Tenho uma solidão horrível para se conversar. Acho o Daniel excepcional. Às vezes tenho inveja da inteligência dele. A inteligência tá no rol das coisas observadas. Aqui, nunca minha opinião venceu. Elas foram derrotadas. Por outras opiniões.

  • Para Lenine, a prática é o critério geral da verdade. Quando eu digo isso, estou pensando no caminho percorrido por ele para concluir isso. Lenine ta dizendo com isso: Agora viva. Ele trabalhava pensando. Gostava de pensar.
  • O que é a inteligência? É trabalhar no mundo. É se transformar.
  • Falar sobre teatro a partir das inexperiências mesmas. Subterfúgio em teatro (uma ação para si só ou para os expectadores): Coincide com as coisas que eu não consegui dizer.
  • O teatro vai provar que é bom não aos expectadores, mas na cultura onde foi realizado, celebrado.
  • A falta de teatro vai despreparando as pessoas para o teatro. Teatro é uma coisa reconhecida como teatro. O teatro grego, eu confio, está depositado no nosso teatro.
  • Faço teatro para mim e os outros são os meus semelhantes. Fazer uma coisa como se fosse para mim, julgando que esse é o melhor modo de fazer para os outros. Aprender fazer fazendo.

Anotações 2 - Trabalhar com muitas idéias ao mesmo tempo...

Segundo semestre de 1976
Texto sem marcação de dia e mês

Objeto
Muitas opiniões.
Depois a escolha.

  • Inevitavelmente temos muitas opiniões sobre uma mesma coisa. Mas desgraçadamente temos que sempre escolher uma única e seguir o caminho. Por isso as pessoas se casam, não é?!
  • Se numa mesma casa vemos duas geladeiras, primeiro perguntamos por quê? Depois, qual a melhor?
  • Por que não trabalhamos com muitas idéias ao mesmo tempo? Com vários objetivos?
  • Por que nos proibir isso?