segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Montar a peça como se fosse novela....

Quarta-feira, 20/10/1976

Informações para se contextualizar a peça:

  • Reminiscências das viagens e permanências de Daniel P. Kidder, o missionário metodista americano que viveu no Brasil de 1837 a 1840.

    Capítulo V
    Hospitais: (sustentados pelas irmandades).
  • Hospital de São Francisco de Paula
    Situado em local bem ventilado e é de ótima construção.
    Cada doente é acomodado em alcova separado onde recebe as visitas do médico e cuidados dos enfermeiros
    Amplos corredores circundam o prédio onde os doentes gozam ar puro e apreciam o magnífico panorama.
  • Hospital dos Lázaros – Fica em São Cristóvão a algumas milhas da cidade
    Recebe pessoas atacadas de elefantíase e outras moléstias da pele da mesma natureza que a lepra, enfermidades muito comuns no Rio. Houve alguém que pretendia ter descoberto que no Brasil, a elefantíase é a mesma moléstia que entre os gregos costumava ser curada com veneno de cascavel. Houve quem se submetesse à picada da cobra na esperança de se salvar, mas morreu.
  • Santa Casa da Misericórdia – Situado ao pé do Morro do Castelo
    · Tem as portas constantemente abertas aos enfermos e aflitos. A direção do hospital presta a mais eficiência assistência que pode, a todos indistintamente: homens e mulheres, pretos e brancos, mouros e cristãos.
    · Mais de cinco mil doentes são ali tratados. Mais de mil morrem.
    ·
    O prédio é antigo e mal construído.
  • Um novo hospital está em vias de ser construído. A primeira pedra foi lançada em julho de 1840.

Concepção teatral da época: os esquemas de apresentação são rígidos. Existem as cenas de preparação. São geralmente curtas e funcionam como elemento de ligação entre uma cena e outra.

Chico - Podemos montar a peça como se fosse novela. As cenas pequenas serão feitas como se anunciassem o próximo capítulo. O patrocinador da novela seria um remédio proibido. No outro intervalo vem a explicação que não se pode continuar com o mesmo patrocinador porque o remédio foi proibido.Como fazer estes anúncios? Falar com Climério, Lurdinha, Pedro Jorge. Podemos também fazer um noticiário sobre os remédios. Meu apelo: Vamos fazer uma coisa só pra chatear.

Antônio - Temos que discutir mais esse lance de se fazer a peça como uma novela.

Chico - Se discutir a gente não faz, fica com medo.

Antônio - Se antes de cada cena, houver outra anunciando a peça pode ficar monótona.

Chico - As cenas de TV seriam só as pequenas, as introdutórias de outras, as que já existem na peça. E também a da Rosinha falando... Uma boa maneira da gente não fazer a peça dum jeito monótono é não pensar que ela possa ficar monótona. Há também as peças chatas de propósito. O ser sepulto é uma peça chata de propósito.

Antônio! Você foi convidado pra jantar... Está com medo que a vida apodreça... Não acha mais sensato deixar para verficar na ocasião?

Gente, não vamos combater as idéias antes de ver elas realizadas.

Neste negócio de idéias tem duas posições. Não vamos ser falsos:

  • Uma, a gestação de idéias – isso só pode ser feita se expulsarmos a polícia que existe em nós.
  • A segunda, o desmanchar das idéias.

Por isso precisamos ter, expor nossas idéias. Depois a idéia melhor briga com outra. A idéia melhor desmancha a menos boa. Às vezes se dá o contrário. Então podemos lamentar o fato de não termos escolhido as melhores idéias.
Penso que a maior parte de nossas discussões que fazemos aqui falando podemos fazer de outro jeito: fazendo. Podemos aprontar cena por cena. Podemos escolher a cena que mais represente a idéia geral da peça e começa por ela.
O ser sepulto acomoda um pouco o que penso sobre teatro. Pra se fazer teatro é preciso se ter um bocado de idéias e confiar que outras pessoas dê outras idéias. Mas entre o pensar e o realizar existe um abismo muito grande. Há uma terrível sujeição.

  • O autor diz que a peça não devia ter começo e nem fim, mas a mãe da atriz acha que a peça deve ter fim.
  • Perdi muitas discussões. Muitas idéias minhas foram colocadas de lado. As alguns símbolos permaneceram: os atores colocados de costas uns para os outros; as falas distantes uma das outras; os atores se dirigindo à platéia

    (Mas o rapaz que entrega o jornal, era pra entrar numa motocicleta, fazendo um barulho imenso. Mas o rapaz entrou de bicicleta. Por timidez. Timidez fazendo de conta que é coragem).
  • Penso que teatro bem feito é aquele que consegue a participação da platéia, mesmo que essa participação seja sair do teatro.
  • O que as pessoas falam na peça O ser sepulto é aterrador. O que eu fiz também é aterrador: fiz os atores ficarem conversando com a eternidade.
  • Em qualquer pensão as pessoas estarão conversando aquelas conversas do dia-a-dia. São só umas falas.
  • Considero um elogio as pessoas dizerem que o texto é bestíssimo. Dizer isso é querer que o texto realmente exista. Que a peça tenha uma unidade dramática.
  • O problema é que a peça não ta realizada. Tem de se fazer 300 peças e todas parecidas. Daí então pode ser que saia umas.

Carlos: O teatro pode existir sem texto, sem música. Mas não pode existir sem público. Por isso não acho válido fazer uma coisa que chateie o público. Que afaste o público do teatro. Se a gente fizer assim tamos contribuindo pra elitizar ainda mais o teatro. Fazendo teatro só pra uma pequena classe.

Gustavo: Isso desestimula o público a ir ao teatro.

Pedro: Pra gente fazer essas idéias que o Chico propõe é necessário antes preparar o público. O público brasileiro, o público de Brasília não ta preparado pra receber esse tipo de teatro.

Chico: Quero saber quando é que se vai inaugurar essas preparação do público. Vamos ficar a vida toda, eternamente dizendo que o público não está preparado para essa ou aquela maneira de fazer teatro. Se a gente pensa assim, vamos ficar fazendo da mesma maneira, sempre. Quanto ao teatro ser elitizado, ele é, vai ser e não é culpa do teatro, mas da estratificação social. Se as pessoas não comem, não tem onde morar, como deselitizar o teatro? Acho ridículo se apresentar peças produzidas aqui em Brasília nas cidades satélites. Antes de ir se fazer teatro lá é preciso sanear aquelas cidades, botar água e esgoto. E depois, ao irmos apresentar este nosso teatro lá estaremos afogando as coisas espontâneas deles, o carnaval, a cachaça nos botecos, o futebol nas ruas.

Pedro: Você teria coragem de...

Chico: Por favor, não faça perguntas sobre minha coragem, eu não tenho nenhuma. Outra coisa que quero deixar clara: desconfio que sei fazer mas não se pode, não posso fazer só. Preciso, precisamos de pessoas que topem correr o risco.
Outra coisa: Devemos dar fim a todas as coisas que hoje a maioria não tem? Se fizermos isso, a maioria jamais terá direito a estas coisas, pois foram exterminadas. E depois, as coisas de elite e as coisas poulares guardam relações. A arte popular guarda relações com a arte aristocrática.

Função do teatro: Cartática

Brecht: o teatro deve assumir a forma popular. Perceber os problemas gerais, torna-los claros às pessoas. Colocar as pessoas diantes dos problemas delas. Não convencer ninguém.

Vou dizer agora uma coisa que sempre tenho notado quando discutimos: Temos medo de ficar diante de nossas idéia. Então ficamos sempre dizendo umas frases que já estão aí, uns comentários velhos. A gente precisava era de pegar nossas idéias, apresentá-las e colocá-las na posição vertical. Na verdade eu penso muito, tenho muitas idéias. Sou contra muita coisa que existe aí, que se faz em teatro. Mas não to muito convencido do que penso. Por isso eu quero, é preciso discutir. Mas discutir. Discutir.

Obs. Chico falou também sobre a responsabilidade social do gosto.

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