terça-feira, 4 de novembro de 2008

Os três médicos Cena III

Marcos e Lino

Lino -
O que queres de mim?

Marcos - Já lá se vão trinta anos que nos conhecemos! Amigos velhos! Não te bastava esse título, queres estreitá-lo mais?

Lino - Oh, tua filha é um anjinho. Faz-me muito feliz. E consente ela?

Marcos - Consentirá, porque ama-me e respeita.

Lin0 - Oh, que contentamento! Que linda esposinha!

Marcos - E é preciso apressarmos este negócio.

Lino - Quanto antes! Oh, que dia será para mim!

Marcos - Quero deixar-lhe um amparo neste mundo que cedo deixarei...

Lino - Ora, deixa-te disso! Ainda viverás, e muito, para veres os teus netinhos correrem por esta sala.

Lino - História...

Marcos - Sabes tu, Lino, o que é para o homem um temor contínuo, que por toda a parte o persegue, que à noite o faz despertar banhado em suores frios, que no meio de parentes e amigos o traz sempre assustado e receoso e que o ameaça com a desonra?

Lino - Pois que vai?

Marcos - Escuta-me amigo, devo descobrir-te um segredo e patentear-te assim a causa deste meu mal. Há mais de quarenta anos que nos conhecemos; foste testemunha de minha louca e espediçada mocuidade ... Rico e sem parentes que me guiassem, vi-me cercado de amigos. Amigos!...

Lino - Tratantes...

Marcos - Que me pagavam com perniciosos exemplos e conselhos a fortuna que me ajudavam a desperdiçar.

Lino - Quimistas!

Marcos - Tu eras a única exceção.

Lino - E por isso brigavas sempre comigo...

Marcos - Mocidade!... Amei! Uma moça acendeu no meu peito violenta paixão. Não conhecia obstáculos aos meus desejos, e dirigi-me a casa do pai, a fim de pedir-lhe a mão daquela que me fazia louco. Foi-me negada. A minha má reputação era conhecida, assim devia ser.Voltei para casa desatinado revolvendo no pensamento milhares de projetos. Para desabafar-me escrevi uma carta a Maurício, aquele que se dizia meu melhor e sincero amigo.

Lino - Oh, que grande patife!

Marcos - Então não o conhecia eu... Foram estas as palavras da carta: "meu amigo, ele negou-me a mão de Serafina e suas desabridas palavras deixaram-me a cruel certeza que eu nunca a gozarei. daria a metade da minha fortuna para que este homem não existisse." Carta fatal! Criminoso pensamento!

Lino - Com efeito, não é dos mais cristãos...

Marcos - Oito dias depois o pai de Serafina, quando entrava na porta de sua chácara, foi assassinado.

Lino - Bem me recorso! Mas ainda não soube por quem.

Marcos - Não adivinhas agora?

Lino - Maurício?

Marcos - Sim, esse monstro!

Lino - Eu bem te dizia que esse tratante tinha nascido para a forca!

Marcos: Interpretou as palavras que eu escrevi no delírio da paixão; realizou o pensamento que apenas vslumbrava na minha delirante imaginação... Amigo cruel!

Lino: Boa laia de amigo!

Marcos - Baldadas foram as pesquisas da polícia.

Lino - Andou tudo em pandareco... Que de conjunturas se fizeram!

Marcos - E eu tive a criminosa fraqueza de apoveitar-me deste crime tão atroz. Um ano depois eu estava casado com serafina.

Lino - Lá disso não te culpo eu, porque enfim não foste tu que mataste o velho.

Marcos - Três anos depois de casado morreu minha mulher, deixando-me dois filhos.

Lino - Coitadinha, tão boa senhora que era!

Marcos - E que vida tem sido a minha desde então! perseguido por esse homem infernal, que de amigo que se dizia tornou perseguidor, não encontro descanso. Senhor da carta que lhe eu escrevi, não cessa de ameaçar-me com a sua publicação, se de pronto eu não satisfizer os seus imoderados desejos. Metade da minha fortuna dizia eu que daria para que o pai de Serafina não existisse; mais da metade tenho dado a Maurício para que me entregue a carta fatal, mas o pérfido zomba de mim, e novas exig~encias acompanham novas promessas.. O que será de mim se ele a publicar?

Lino - Não tenhas medo... Em primeiro lugar, porque ele não quererá também denunciar-te; em segundo, por ainda teres fortuna para lhe pagaraes a discrição. O tratante achou em ti uma mina de caroço...

Marcos - E quando eu tiver dado o último real, serei levado ao tribunal e arrastado à escada da forca e meus filhos ficarão no mundo pobre e infamados! Eis o que me mata! Ainda dirás que me posso curar? O mal está aqui... (Aponta para o coração).

Lino - Isto é apreensão de mais... O homem não é capaz de denunciar-te.

Marcos - Tu não o conheces! Amigo, apressemos esse casamento porque eu devo morrer quanto antes para salvar meus filhos.

Lino - Isto é mais nervos que outra coisa! Eu já pedi ao meu médico que viesse hoje ver-te. É hidropata; talvez te cure.

Marcos - Que me importam médicos homeopatas ou hidropatas! Não te vás embora, passa o dia conosco. Tenho ainda que falar-te. Rosinha? Vou descansar um pouco, sinto-me fraco.

Lino - Não queres o braço?

Marcos - Não, obrigado, aí vem a menina. (Entra Rosinha.) Ajuda-me. (Apoiado no ombro de Rosinha sai.)

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