quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Anotações 1 - Em quantos dias se coloca uma peça de pé?

Segundo semestre de 1976
Texto sem marcação de dia e mês

Chico -
Vamos conversar? Mas conversar para tomar consciência. Isso é incômodo, eu sei. Este é um curso que deve fazer umas transformações em nós. Estabelecer certas perspectivas.

Carlos - Tenho impressão de que o tempo está ficando pouco para o que queremos fazer.

Chico - Eu monto Shakespeare em 26 dias.

Antônio - Eu acho que temos tempo que dá.

Chico - Temos curtido um pouco a coleção infinita de sugestões que somos capazes de dar. Podemos agora congelar um pouco tudo isso.

Carlos - Eu tenho uns conceitos que...

Chico Devemos abandonar estes conceitos que atrapalham a gente. A quem interessa que seja difícil apresentar uma peça? A mim particularmente, me interessa que seja fácil, que se rompa a inércia. A quem interessou não termos sido capazes de apresentar a peça infantil, os 3 médicos? A quem interessou? Eu tô afim de acabar com essa farsa. Provamos que não faríamos as peças. Fizemos uma greve. E como a greve é uma coisa abusada, eu aprovo.
Para o dia 26 se eu quiser eu faço: A peça infantil, Os 3 médicos, um musical.
Eu quero entrar nesse arraial onde se faz a arte brasileira. Quero ser operário nessa construção. O engano está sendo fabricado. Por que não fazemos este teatro de assalto?
Vocês não fizeram ainda nenhum exercício que os comovessem a ponto de alterar o próprio modo de vida. Eu fiz o Ser Sepulto, e isso não é uma coisa trivial.
Para montar a peça temos que combinar umas regras. E perguntar se algum ponto da peça ficou ressaltado.
Nessa peça nós destacamos a frase:
O ASSASSINATO TAMBÉM TEM LIMITES E NO ENTANTO TODOS OS DIAS ASSASSINAM-SE HOMENS”.
Ouvindo essa frase as pessoas lembram-se do padre que foi assassinado (Burneer), e isso é dar uma interpretação ao texto.
Tem muita imoralidade também pra ser detectada. É imoralidade o que tá fora da moral vigente. Fora da cartilha do viver. A vida taí andando. E a gente não pode demorar tanto pra fazer as coisas. No dia que JK morreu eu ensaiava o Ser Sepulto. Mas quando a peça foi apresentada já fazia tempo que JK tinha morrido. E o pessoal ao assistir a peça tava lembrando era de outra morte, a do padre lá de Mato Grosso.
Então, por que não fazemos uma apresentação dos 3 médicos, no dia 13, último dia da Expoarte?
A gente explica pro pessoal que não é uma peça acabada. É como se fosse um ensaio com o público. Vamos ouvir as pessoas que têm resistência a essas idéias.

Carlos - Não gosto da idéia de apresentar na Expoarte. Não to afim de assumir isso.
Chico: Outras resistências e sobre, por exemplo, ter o texto da peça presente em cena:
  • Acho que vai perder o ritmo visual.
  • Prejudica a ilusão que o teatro provoca o público.
  • Perde o caráter do teatro.
  • Perde a vibração.
  • É chato.
  • Tenho dúvida se um ator pode ler e representar ao mesmo tempo.
  • Acho que poder pode, mas é difícil.
  • Acho que todo mundo pode, marcando um prazo, trazer o texto decorado.
Tenho que reconhecer que levo mais jeito de diretor que vocês todos juntos. Tenho crises de idéias. Também quero dizer que trabalhar coletivamente é apenas uma forma de se trabalhar.
É preciso não esquecer também de, ao se ler a peça, pensar em missas, corais, canto lírico, orquestras, bandas desfilando, procissões, testamentos de Judas, leilões.
As palavras da peça não são entendidas de imediato. Vamos romper um acordo instituídos na arte, o de que se deve saber o texto decorado.
Uma sugestão: Quem lê não contracena. A peça se passa então, em dois níveis: o da leitura e o da representação. Isso é uma coisa norueguesa quase. Escocesa de tão bonita. Distante. Se a gente coloca distante de nós acha bonito, não é?

Carlos - Continuo contra a idéia de se ler o texto em cena.
Chico - Você continua porque tem o coração mais duro que o chão que você pisa. Uma peça de teatro quer seja visível ou não, tem sempre um livro em cena que está sendo lido. Imaginem: A cena escura. Apenas uma vela, uma lanterna, nas mãos da pessoa que diz: Os assassinatos também têm limites... e ela ou outra pessoa passa a lanterna nas pessoas que estão na platéia. Penso numas ligaduras para cada início de cena, como em TV. E também num jogo de futebol em BG, durante toda a peça. Ter um cenário que deixa uma vastidão de espaço, de abismo. A cena se passa num canto e fica um palco inútil.

Um desafio: Tentar ganhar sem prometer apenas. Pegar as energias que se tem a transformar as coisas no tom que se quer. Você ganha amizade só se prometendo pra amizade. Se você fantasia a amizade, você está alterando o texto da amizade. Extrair o que permanece de atuar no texto. E não injetar coisas, tentando dar colorido por não acreditar que alguma coisa do texto permaneça. Ver o que atravessou estes 140 anos, e permanecer vivo. Como esta frase: Os assassinatos também têm limite...
Procedimento de pensar: Em vez de aplicar coisas na peça, ver as coisas que vem de dentro da peça. Tecer o abismo, não geograficamente mas com o tom de voz.
As roupas: Não devem alterar muito como a gente está agora, porque desde que a peça foi escrita não se alterou muito o nosso jeito de ser.
O cenário: Não é composto de coisas reais, mas de pontos de vista. Não é uma coisa, mas uma aparência.

Nenhum comentário: