terça-feira, 4 de novembro de 2008

Os três médicos Cena I

Sala em casa de Marcos. Porta no fundo e à direita, mesa e cadeiras.

Marcos, sentado junto à mesa e, a seu lado, Rosinha e Miguel. Marcos mostra no semblante abatimento.

Marcos - Meus filhos, pouco tempo poderei viver. As forças abandonam-me. Tenho presentimento que minha morte bem próxima está...

Rosinha - Meu pai, não desanime! Espero em deus que esta sua moléstia será passageira.

Marcos - Passageira? Quando a vida assim se desorganiza é inevitável o seu fim.

Miguel - Esse temor é que pode tornar a moléstia grave, quando talvez seja ela ligeira, e em grande parte devida aos anos.

Marcos - Devida aos anos é ela, mas não como pensas... Os anos a têm exarcebado. Deus o sabe como!

Rosinha - Mas os médicos...

Marcos - Que pode a medicina em moléstia com a minha? Aos médicos não torno a culpa, que fazem eles o que aprenderam, e o que podem. A ciência é muitas vezes ineficaz.

Miguel - Se meu pai consultasse outro médico...

Marcos - A outro? Que mais queres que eu faça? São poucos os que aqui têm vindo? O meu médico assistente, o Dr. Cautério, é homem de reputação bem adquirida.

Miguel - Não contesto. Antigo, rotineiro e feliz muitas vezes, mas se meu pai não tem colhido vantagem com seu tratamento, para que não chama, por exemplo, um médico homeopata.

Rosinha - Assim é.

Marcos - Não creio em homeopatia.

Miguel - Se não a conhece! Peço-lhe um favor: um de meus verdadeiros amigos é o Dr. Miléssimo. Há pouco que chegou de Paris, aonde estudou com muita aplicação a homeopatia. permita que venha ele fazer-lhe uma consulta.

Marcos - Debalde! nada espero...

Miguel - O que lhe custa? deixe-o vir; talvez tire-se proveito.

Rosinha : Eu estou persuadida que ele será capaz de o por bom.

Marcos - Pois bem, que venha. Não quero que se queixem de mim. Ouvi-lo-ei; pouco me custa.

Rosinha - Já eu creio v~e-lo restabelecido e passeando alegre por esta sala.

Marcos - Alegre?... (levanta-se) escuta, Rosinha, falemos de ti, que és moça e que ainda podes viver longos anos - que isto por cá está velho e desarranjado. Quando eu morrer...

Rosinha - Meu pai!

Miguel - Senhor!

Marcos - Quando eu morrer, ficareis desamparados...

Miguel - Oh, enquanto eu viver, minha irmã...

Marcos - És oficial de Marinha; hoje estás aqui, amanhã ali...Precária proteção! de um marido precisa tua irmã - e este já escolhi.

Miguel - Quem é?

Marcos - O meu amigo Lino das Mercês.

Rosinha - Meu Deus!

Miguel - Ele?

Marcos - É um homem probo e honrado; tem a alma de um anjo. Farte-á feliz. Isso posso eu dizer poruqe o conheço há muito tempo. Tenho-lhe estudado caráter; andamos juntos na escola e desde esse tempo dura a nossa amizade.

Miguel - Marido tão velho!

Rosinha (à parte) - Andaram juntos na escola!...

Marcos - És um rapazola, Miguel, e só aos da tua idade julgas capazes de tudo. Tu, minha Rosinha, tens mais juízo. Isto é um louco. Meu amigo Lino far-te-á feliz.

Rosinha - Mas, meu pai, não desejo casar-me, e se ...

Marcos - Crê, filha que à borda da sepultura ponho todo desvelo em fazer-te ditosa... Casar-te-ás com ele, em breve, que assim te pede teu pai...

Rosinha (à parte) - Não é possível, meu Deus!

Miguel (à parte) - Veremos como isto será...

Nenhum comentário: