terça-feira, 28 de outubro de 2008

Eu queria apontar o sol antes que a noite aconteça...

Quarta-feira, 6-10-76


Alguém pergunta:

-Vamos montar a peça infantil? Desistimos mesmo?

Chico pede pra que alguém leia os objetivos do curso.

Ana lê:

  • Desenvolver exercícios dentro dos processos mais usuais no teatro envolvendo todas as atividades necessárias para a apresentação de peças em algumas modalidades que guardem relações de intimidade com a cultura brasileira e com o fenômeno educacional.
  • Não consta nos objetivos que se deveria ser montadas as peças. Mas desenvolver exercícios... A peça infantil provocou atritos. Para se montar uma peça precisa haver certas coincidências. E elas não aconteceram. Quando a peça infantil tava sendo montada, se fez tudo pra que não fosse. Conseguimos isso. Agora que conseguimos, tamos fazendo tudo para ela ser montada de novo. Turma, vamos deixar de brincadeira?

Sobre a bibliografia: quem trouxe alguma relação de livro entregar pra Clara ou Bia. É pra se procurar a bibliografia nas áreas afins.

Sobre o musical. O que foi que imaginaram? Precisamos de um esquema geral.

Luiz: pensamos reunir músicas brasileiras que marcaram época, usando a coreografia também da época. A gente podia pensar em carnaval, folclore, brincadeiras.

Daniel: A gente podia usar gritos, barulhos, fazer coisas sem instrumentos, sem artifícios. Usar gestos, movimentos.

Alguém pergunta: O musical é pra adulto ou criança?

Marilena: Acho perigoso falar sobre o que é infantil nessa sala. Já deu muita confusão.

Chico: Se quiser, pode sair...
Turma, vamos sentar no chão?
Aposto que sentados no chão nossas conversas serão diferentes. Conversemos.
Quem gosta de canções infantis, os adultos ou as crianças?

Roberto: Ninguém. Todo mundo agora só quer saber de televisão.

Chico: Vou mostrar pra vocês uma historinha que eu trouxe. Cada um lê e vá passando.
Eu penso que a gente inventa um assunto pra se conversar no lugar do que se deve estar conversando. A gente fica, e quando a gente enfrenta o assunto inventado, as pessoas despistam. (Conversando em coisas de adulta e criança como se acreditasse no que se fala)

O assunto era: idéia pro musical.
A questão inventada foi: adulto ou infantil.
Enfrentamos e o que aconteceu: despistamento, a conversa sobre televisão.

Historinha que eu mostrei: Foi porque eu queria apontar o sol antes que a noite aconteça.

- Voltemos a falar sobre o musical: Não prestem atenção ao que a Laurete diz. Ela tem se mostrado uma boa censora das idéias que aparecem aqui.
- Se faz umas coisas bem esculhambadas.
- E depois se critica. (Os professores de educação se reúnem em congressos pra malhar a escola que praticam).

Pedro: O musical pode ser uma crítica à Brasília. Ninguém fez isso ainda.
- Podia ter a inauguração, colocar uma fita no palco pra ser cortada.
- Como surgiu o nome Catetinho
(A inauguração. Alguém diz alguma coisa e cortava a fita).
- Isso é muito antigo.
- Eu nunca vi!

Daniel: Eu acho que os prédios de Brasília não foram feitos pra durar pouco. Acho que duram uns duzentos anos, ou mais, uns trezentos. São de concreto assim...
- Risadas...

Chico: Queria saber com quem o Daniel ri das esculhambações que ele faz aqui na sala. Queria conhecer a turma dele e do Augusto também.

Pedro: O musical podia ser como a gente vê Brasília. Não tem ainda uma literatura sobre o assunto. Um poema sobre as pessoas, os bares da cidade.

Augusto: Já escreveram sim sobre Brasilia. A Maria Clara Machado já escreveu.

Chico: Já falamos aqui que os ideais de autenticidade e espontaneidade são maiores que o de originalidade. Afinal como diz um provérbio secular: não há nada de novo na face da terra. Não vamos obstruir não turma! Obstruir é chato! Mas o Augusto se quisesse, se pudesse, podia também derrubar o argumento do Pedrinho de que não há nada escrito sobre Brasília, falando que o Tom e o Vinícius escreveriam.

Pedro: Tô pensando em alguma coisa bem descontraída. Não precisaria se inventar personagens. Os personagens seriam nós mesmos.

Laurete: E a coreografia? Coreografia é muito difícil.

Chico: Achar uma coreografia é fácil. O diabo é que ficamos pensando em coisas exóticas tipo Gene Kelly... Tem uma coisa que é coreografia e outra que a gente chama de coreografia.

Pedro: A gente pode satirizar a coreografia.

Chico: Coreografia segundo a Laurete é uma coisa diferente do que estamos fazendo aqui. Coreografia para a Laurete é uma coisa ensaiada , combinada. Isso pra mim chama-se iniciação à tortura.

Pedro: A gente pode pensar em coisas assim: - Vamos fazer movimento estudantil? E aí todo mundo começa a se mexer. (Se mexe).

Pedro Paulo: Podíamos fazer um musical com músicas que nós lembramos. Canta meu limão, meu limoeiro.

Chico: Você tá lembrando dessa música aí ou do Simonal.

Arão: Vamos escolher um tema?

Chico: A Márcia tem uma idéia, não sei se ela vai dizer... Sobre Brasília o Clodo tem uma música muito bonita. Eu também. Esses musicais nobres: Arena canta Zumbi, Liiberdade/Liberdade mentem pro danado. O musical é mais ou menos uma festa depois tem umas inclusões bem sérias. A música nada tem a ver com o clima das falas.

Arão: Depois de falar sobre o crescimento de Brasília, fazer uma coreografia, música, barulho de carro, maquinas de tirar fotografias, turistas chegando na catedral. Niemeyer dizendo não basta esta cruz.

Chico: Sobre o musical só temos essas idéias? Então a gente conversa agora sobre os três médicos.


Os três médicos


A gente pensa essa peça pro Arena ou Martins Pena? Arena? Então podemos colocar uma pessoa vestida de azul marinho rodeando o tempo todo a Arena. Por quê? Coisas da vida. É o vigia do nosso bloco. É o vigia da peça. É chato fazer as coisas explicando por que.
Podemos colocar aqui na sala umas cartolinas. Em cada uma delas se faria anotações de cada uma.
Faremos um gráfico das coincidências. Por exemplo: se numa cena um personagem tem medo de cachorro. Em outra cena esse medo tem também que aparecer.

"Em comparação com o começo, eu desanimei muito"

Segunda-feira, 4-10-76

Antes do início da aula o depoimento do Pedrinho:

Agora é a parte mais difícil do curso, do trabalho do grupo porque havia se proposto muita coisa: fazer a história da casa, os 3 médicos e agora ninguém tá fazendo nada.

Teve esse lance aí por parte do Chico de não se fazer as peças.

O início do curso foi bom, apesar do Durvalino ter dito que seria difícil fazer um trabalho porque ninguém se conhecia.

Quando foram apresentados os textos houve muita confusão. Eu disse que os textos não tavam com nada.

Eu acho que não precisava ler Cecília Meireles. Não precisava ler nada antes de se fazer o texto. Mas só depois de ter feito, de ter se criado uma estrutura a gente buscaria estas coisas para enriquecer o texto. Vou fazer uma analogia: primeiro a gente compra o terreno, depois o material para casa. Não o contrário. Quando a Ruth trouxe o gravador com aquelas músicas pra peça não havia ainda se estruturado um texto. Se houvesse, a gente podia ter discutido se o que ela havia trazido servia ou não.

Agora, essa de se suspender as aulas pra se procurar uma bibliografia. Sou contra fazer isso durante o tempo de aula. As aulas são poucas. Por isso devem ser aproveitadas ao máximo com ensaios. E não com discussões como tem acontecido.

Penso assim: se a gente quer fazer teatro, o produto final é a peça montada, não o texto que é só um caminho pra se fazer teatro.

Agora nesta fase tô meio desanimado. Eu resolvi me dedicar a um só trabalho: os 3 médicos. Porque é à noite, eu acho melhor. O pessoal não vem ao ensaio porque a gente é um grupo, porque faz parte de uma turma que tem como ponto de referência a presença do professor pra dar força pro pessoal vir aqui. Eu, o Arão, o Durvalino temos vindo pros ensaios e não encontramos ninguém, nem o Chico. Acho que os outros ficaram desanimados por causa da dispensa das aulas pra se procurar a bibliografia.

Acho que existe clima pra se desenvolver qualquer trabalho. Por que não se desenvolve? As pessoas tão reunidas não como um grupo com vínculos. Mas como uma turma fazendo teatro como matéria que vale seus créditos, influi no MGA, etc. Falar como eu vejo as pessoas no curso acho que não devo, porque não é um grupo, mas um ajuntamento de pessoas.

Pelo que eu conversei com a Márcia, há pessoas que não estão afim de trabalhar como atores, mas só assessorando. Acho que todo mundo tem condição de trabalhar como ator. Tive vontade de pedir pra dirigir, fazer com que todo mundo participasse como ator de um laboratório, de uma criação coletiva. As pessoas não participam porque não houve um clima. Não houve uma chamada partindo do professor pra que elas participassem. Igual a que eu fiz quando eu chamei todo mundo pra construir a casa.

Acho que o grupo tá disperso.

Minha experiência em Planaltina: tô transando teatro com um pessoal de lá. Primeiro houve uma preparação: exercícios, dicção, etc. Coisa que na Oficina não pode ter. Tem umas treze pessoas participando do grupo e acontece durante um exercício de não ficar ninguém observando. Então a gente tem de escalar pelo menos duas pessoas pra observar e depois contar pro resto da turma como viu a experiência. Mas eu não espero que o pessoal tome iniciativa. Se eu ficar assobiando, esperando o tempo todo por eles não vai acontecer nada. Sempre no início é preciso de uma pessoa que coordene, que seja um líder sem ser um ditador.

Depois, essa pessoa com o desenvolvimento do processo podia até ser banida dele, tornar-se dispensável. Se aparecesse uma pessoa do próprio grupo que não fosse o professor pra fazer isso, seria melhor ainda. Eu muitas vezes na oficina pensei em tomar essa atitude. Acho que essa do Chico se excluir esperando que as pessoas tomem iniciativa é o maior erro da Oficina. Isso só daria certo depois que o trabalho houvesse ganho uma velocidade. Não sei porque o Chico fica saindo o tempo todo da sala de aula. Um dia eu faltei lá em Planaltina e no outro dia de encontro as meninas todas do grupo combinaram de não ir. Ficaram chateadas. Precisei escrever uma carta explicando.

Para os 3 médicos penso o seguinte: poderia se formar um grupo de oito pessoas que se disprisessem a se encontrar toda a noite. A gente depois poderia até dispensar a função do coordenador (Chico) depois de uma etapa de trabalho. Porque seriam pessoas envolvidas numa coisa que estão dispotas a fazer. Istó é importante porquena na oficina existe muita coisa que se faz sem vontade de fazer. Ou se tem vontade e não se faz.

Uma sugestão pro trabalho ir pra frente: já que está penoso se trabalhar com um grupo grande, dividir em três: um grupo pros 3 médicos, um pra casa, outro pro musical. Esses grupos trabalhariam em horários diferentes e quem quisesse podia fazer parte dos três. No começo o Chico devia estar presente em todos os três. Da metade dos trabalhos em diante não precisaria ir mais. As pessoas já teriam amor pelo que estavam fazendo.

É muito difícil um grupo trabalhar desde o início sem qualquer direção. Tô vendo que o semestre tá no fim e a gente não fez nada. Achei um absurdo suspender aula pra se procurar bibliografia. Teatro é um trabalho prático. A teoria vem depois. É um absurdo dispensar um tempo que a gente podia estar junto, criando relacionamento, ensaiando, pra procurar bibliografia.
Acho que esse negócio de não se fazer mais a peça, esta decisão foi pra cutucar o pessoal, ver quem tá mesmo afim de continuar o trabalho. Já houve outras vezes. O Chico já reclamou outras vezes. Já falou em cancelar o curso...

Em comparação do começo desanimei muito. Hoje se falto, chego atrasado, nem ligo. Se a gente não começar hoje a ensaiar os 3 médicos, vou ficar o resto do curso só dando umas ajudadinhas aqui e ali, mas sem o ânimo que eu tinha no começo.

Quatro horas e 10 minutos: Estão na sala de aula, Bia, Chico (lendo as anotações feitas pela Clara da aula passada), Clara (lendo jornal) e Pedrinho (folheando o livro “Comédias”, com obras de Martins Pena).
No dia 01/10 não houve aula.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Colocando o texto de pé...

Segunda-feira, 27-9-76


Chico: Já escolheram os papéis?
Jorge: O pessoal que trabalha na peça se reuniu e uniu os textos. Começa a ler o texto.
Chico: Vamos ler fazendo? (de trabalhar como atriz)
Bia: (Quer desistir de fazer a peça e fala com o Chico).
Chico: Quem quiser desistir não precisa comunicar. É só desistir.
Ana: Propõe como fazer.
Chico: Vamos fazer sem saber como?
(As pessoas tentam fazer).
Gustavo: Não tá dando certo.
Chico: Tá sim, ora não tá...
Por favor, sintam o que tão dizendo.
(A Ana emburra. Desiste. Vai sentar).
Cris: Se é pra fazer vamos fazer direito.
Chico: Tá direito. Tá ótimo.
Cris: Tá embolado.
Chico: É a primeira vez. Tamos fazendo tropeçadamente, mas ta ótimo. Por favor, ninguém iniba ninguém. Quem estiver com excesso de racionalidade, se retire. Quem tiver uma idéia venha executar a idéia aqui na frente, comover os outros com a idéia.
Fazem as mímicas.
Depois o pessoal se preocupa muito em fazer as falas de maneira certa logo na primeira vez.
Chico: Faz de conta que aqui não é a TV Globo. Aqui a gente pode errar. Pode-se procurar descaradamente as frases, as palavras no texto.
(O pessoal termina de fazer o texto).
Chico: O texto, este aí, tá muito diferente dos outros já apresentados? Pra que mudaram? Pra fazer um sétimo texto? Não precisavam ter modificado o texto antes das idéias ficarem de pé.
Que texto montar? Não temos as mesmas idéias.
Podemos começar pelo texto da Ruth, do Daniel e Márcia ou pelo texto-síntese.
Por qual começar?
Alguém diz: Pelo do Daniel e Márcia, todos já têm o texto.

É sugerido:
  • Fazer pausado
  • Sacrificar a cadência em favor de se criar uma certa ambiência
  • Não fingir que se sabe o texto decorado
  • Não preencher o silêncio com palavras que não existem no texto
  • Se deixar cair num abismo

Começam novamente:
  • A Bia canta.
  • O Jorge diz um poema (de uma maneira estranha à peça).
Chico: Que mentira danada: uns falam como se já soubessem o texto. O outro aí chega com um personagem pronto.
Jorge participa de uma mímica. Cai e se machuca.
Chico: Fique sentado aí. Você agora está adoentado. Pelo amor de Deus! Façam pausado. Eu faço observações e vocês continuam fazendo do mesmo jeito sempre. O que estamos tentando fazer agora, aqui, é tentar amolecer as situações do texto, fazê-las com um brilho maior.

Começam fazer a casa. Só com gestos.

Chico: Estamos fazendo a casa duma maneira muito adulta. Por que vocês não brincam um pouco? Já existe o jogo de amarelinha riscado no chão.

Nosso trabalho:
  • É o de descobrir o modo geral da peça.
  • Descobrir o que a gente tá fazendo e dentro disso fazer outrascoisas.
  • Podemos fazer a peça toda brincando de roda. Se cansar, diz umas coisase volta a brincar.
  • Podemos descobrir uma certa continuidade na peça.
  • Vamos combinar um pouco.
  • Vamos ver se dá certo, fazendo.

Começam novamente a encenar.

Chico: Uma música. Cante uma música.
Cris: Que música? Uma que as crianças gostam?
Chico: Que as crianças gostam. Que o mundo gosta.
Cris: Qual?
(Ninguém se lembra de uma música. Gustavo umas brincadeiras: canta A Mala. Rapaz Latino Americano)
Chico: Estamos diante de nossa incapacidade de nos lembrar de uma música conhecida.
Antônio: Podemos fazer um coral.

Chico: Vamos em vez de dizer, fazer Se precisar de uma planta: buscar logo a planta.

O pessoal começa novamente. Fazem rápido demais
Alguém comenta: Acho que não fizemos direito.
Chico: Fizeram sim. Só que muito rápido.

De novo:
  • Fazem o início.
  • Brincam um pouco.
  • Começam outras brincadeiras, agora de como devem ser as falas: sem intrepretação ainda? com ou sem impostação de voz?
Chico: Vamos pra casa. Refletir um pouco sobre o que aconteceu aqui. As pessoas que fizeram e as pessoas que assistiram, tragam idéias.

A peça, uma brincadeira...

Terça-feira, 22-9-76


Chico: Vamos pensar sobre como faremos a peça.
Temos três.
Como faremos? Qual faremos?
Podemos expulsar as idéias que temos.

Ana: A peça deve ser festiva, colorida, uma brincadeira.
Chico: Como você imagina essas brincadeiras?
Ana: Ainda não sei. Mas sobre a casa: ela vai aparecer? Podia se pintar ela num lençol e ela ficar ali pra todo mundo ver.
Cida: Ah! Isso acho que não...
Chico: Isso sim. Se não for uma boa idéia a gente vai ver, fazendo. Isso inclusive pode ser uma idéia pro cenário.
João: A gente podia trazer material mesmo de se fazer casa, amarrar umas tábuas como se fossem paredes...
Cida: Será que isso é bom?!
Chico: Cida, por favor, contenha seu espanto! O seu susto. Pessoal, a peça é mais movimentada que fala. Vamos esquecer um pouco o texto.
Jorge: Podemos fazer a idéia do Daniel Mendes (da peça) no início e deixar as coisas acontecerem.
Daniel: Eu to achando os textos muito frescos. Lê algumas falas.
Chico: O Daniel ta dizendo que o texto é fresco porque conforme é lido pode parecer piegas.
Ana: Acho que deve ter uns brinquedos. Levar uma bola colorida, bem grande e brincar com as crianças.
Chico: A Laurete ta dizendo que a peça deve ser brincalhona de maneira concreta, não só com as palavras.
André: O poeta deve estar vestido dum jeito que quando ele chega todo mundo nota.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Revolta contra o simples, o espontâneo

Já tivemos 17 aulas, 6 semanas
Faltam 30 aulas, 10 semanas


Segunda-feira, 20/09/76

(Ana pergunta se as brigas entrarão no dia)

O Chico distribuiu o texto mimeografado com a recuperação que tentamos fazer no sábado: Éramos poucos. Por isso, a recuperação ta pequena. Precisamos de mais dados.
- Quando escreverem sobre a experiência, que sejam sinceros, que detalhem tudo. Peço encarecidamente tudo o que tenham anotado sobre o que houve (ouve) aqui ou fora daqui, motivado pela experiência. Quem tiver somente na cabeça, se quiser anotar é bom, mas se tiver preguiça eu gravo um depoimento e copio.
É colocado no quadro o esquema feito no sábado (um pouco modificado). Antes de colocar o esquema no quadro, Chico pergunta insistentemente se pode ser sincero...
Esquema:
A gente queria fazer teatro
  • contava apenas com a convicção que se faz teatro
  • experientes atacam de técnicas e métodos
  • fala-se que isso é muito apressado para a ocasião
  • ataca-se de novo com “não sei falar assim difícil”  mas quem ta falando difícil?
André: Prefiro que você coloque aí preparação, não métodos.
Chico:
  • Peço perdão permanente por (usar palavras inadequadas. Apresenta-se com muito cuidado um esquema muito sintético e acontece sempre alguém pra corrigir.
  • Somos guiados pelas palavras, pelos movimentos já produzidos. A gente se revolta conta o simples, contra o espontâneo com discursos já produzidos.
  • A gente é educado pra temer fazer as coisas. Pois não há realmente espaço pra se fazer muito.
  • Estou interessado nas notas de aulas pra reunir contando este tortura toda, esta (termina a folha).

Intervenção Jorge: As pessoas estão desanimadas em reviver a experiência. 33 aulas dará tempo?

Chico: Dará, conforme como se faça.

Os três médicos


Local de ensaio: Edifício Gilberto Salomão
A peça pede a presença de três médicos:
  • Alopata;
  • Homeopata;
  • Hidropata
Personagens: Moça, Pai da Moça, Irmão da Moça e Conferencista (será introduzido)

  • O Antonio, Carlos e André poderão fazer os três médicos porque criaram convivências que facilitarão o trabalho para eles.
  • Pessoas que se dispuseram a trabalhar os três médicos: Antônio, Maria, Ana, Felipe, Cláudio, Cláudio, Flávio, André, , Carlos, Mariana e Francisco.
  • Uma pergunta essencial antes de se iniciar os trabalhos: Alguém tem restrição à alguém?


Outros trabalhos além de ser ator ou atriz:

1. Promoção: o ato de dizer que vai haver a peça.
2. Programação visual, sonora e ambientação, isto é, fazerem as coisas tomarem a mesma aparência geral. Criar a ambientação da peça; cartazes, o som, a cor, cenário, iluminação, trilha sonora, vestuário, contra-regra, efeitos: Helena, Márcia, Clara, Daniel, Bia, João e Maria.

Para os três médicos:
  • Pesquisar sobre: vestuário, músicas e pinturas da época.
  • Pegar as palavras difíceis do texto e dar uma sova nelas. Misturar teatro com futebol: expulsar as palavras difíceis. Pode-se fazer uma passeata com cartazes e os significados das palavras.

Quem quer trabalhar na peça infantil:
  • Maria
  • Bia
  • Gustavo
  • Ana
  • Daniel
  • Felipe
  • João
  • Cláudio
  • Francisco
  • Jorge

Uma conversa para (não) matar os grilos...


Sexta-feira, 17/09/1976


1. O Chico encontrou com o João no Beirute e conversando sobre o que estava acontecendo na Oficina diz que o Carlos tinha reagido como reagiu porque estava enciumado: o texto original que havia sido preparado por ele havia sido abandonado.

2. O João conta pro Carlos apenas esta parte da história: Aconteceu uma coisa horrorosa! O Chico me disse que você está com ciúmes, tá enciumado e , por isso, foi contra as peças apresentadas.

3. A Anae outros tomam as dores do Carlos. Consolam o Carlos: “Imagine pensar que o Carlos é capaz duma coisa dessas”. O Carlos chora.

4. A turma tá reunida pra aula. O Carlos fica lá fora. A Ana vai buscá-lo. Os dois entram abraçados. O Chico propõe que se converse. Uma conversa para que todos digam como se sentem na experiência e como vêem os outros. Uma conversa pra matar os grilos.

  • O André diz que não tá afim de fazer a peça infantil porque tem muita gente fazendo este tipo de trabalho aqui em Brasília.
  • Chico: Eu sabia que havia certos fluidos negativos. Certas opiniões contra a realização da peça. Foi bom ver isso confessado.
  • Ana: Não foi bem isso que o André quis dizer.
  • Chico: Foi exatamente o que ele disse. Por favor. Não precisamos de advogados de defesa aqui dentro.
  • Carlos: Não tô mais afim de fazer a peça infantil porque fiquei sabendo que disseram que eu estava com ciúmes dos textos que apareceram. Tô muito chateado, não esperava isso...
  • Ana : Ele até chorou ontem de tão chateado.
  • Carlos: É, eu chorei...
  • Chico: Fui eu que disse lá no Beirute ontem pro João. Disse e continuo dizendo: o Carlos tava enciumado. O que, aliás, é muito normal. A gente tem ciúme da mulher, dos amigos, dum colega que se destaca mais nos trabalhos. É uma coisa que existe: o ciúme. João você contou pro Carlos toda a nossa conversa ou só este pedaço?
  • João: Não eu não falei sobre toda nossa conversa.
  • Chico: Eu sei disso.
  • João: Mas eu não quis fazer intriga.
  • Chico: Disso eu também sei.

Depois da aula à caminho do departamento de Comunicação:

Chico: Tô cansado. Que classe social! Que juventude! Que época! Eu sou filho de operário, entende? De operário! Não faço parte disso aí... delação, covardia, sabotagem. Ficou claro pra mim hoje: o Pedro, a Laurete, o Arão o Durvalino inconscientemente querem sabotar a peça. E o que fazem? Criam dificuldades. Todo dia propõem uma nova maneira de se fazer. Ficam muito unidos, à parte.

No sábado:

Queremos entender o que se passou desde o início do curso.
O Chico fez este esquema no quadro:

  • A gente queria fazer
  • contava apenas com a convicção que isso se faz
  • experientes atacam de técnicas e métodos
  • fala-se que isso é babaquice
  • atacam de novo com: “não sabemos falar assim difícil”
  • Mas quem ta falando difícil?
  • Atacam de sabotagem, ameaçam greve, cobram honestidade, delatam.
Diagnóstico: Na sociedade existem já produzidas todas essas coisas. Quem nunca faz nada não sabe fazer nada. Não tolera que se faça e combate de vários modos. O importante é competir (combater). Salvam-se, na sociedade, os que se unem na maioria inoperante. O terror é o seguinte: se algumas pessoas fizerem alguma coisa, isso é uma denúncia viva dos inoperantes. E... pense o seguinte: essas pessoas (inoperantes) têm prestígio social de inteligentes e criticam justamente porque não deixam fazer as coisas dizendo que elas não dariam certo – de fato têm de evitar a todo custo que alguma aconteça.

É facil fazer! É fácil fazer?

Quinta-feira, 16/09/1976

Estivemos na Biblioteca: eu, Bia, Serginho e Eveline. para colher informações para a matéria que temos de fazer pra TJT. Depois fomos conversar com o Chico. Conversamos sobre o trabalho. Depois sobre o que havia acontecido na Oficina. Chegamos à conclusão que o Carlos tava com ciúmes. Havia reagido contra as peças porque haviam fugido muito do texto original organizado por ele.
Outra coisa: o Carlos tá muito preocupado em colocar na peça certas implicações políticas. Desde o início ele havia deixado isso bem claro:
  • Queria que na peça aparecesse o problema dos favelados, dos que não tem onde morar.
  • Queria que aparecesse a repressão agindo: delegado, policiais, o prefeito expulsando as pessoas que haviam feito a casa em terreno que não era delas.
  • Queria que houvesse uma passeata, manifestação das pessoas que tinham feito a casa.
O Carlos deixou bem claro que achava a peça reacionária e muitos concordaram com ele, o Flávio e a Ana, principalmente.

Escrevi :
  • É fácil fazer contraria o pensamento vigente que é o de incutir nas pessoas que tudo é difícil, precisa ter certo preparo pra se fazer. As pessoas são incapazes de decidir o próprio destino. Precisa de alguns que lhes digam o que fazer, como e porque.
  • É fácil fazer protesta mais contra ordem vigente do que mil frases feitas ditas pelo Carlos. Mais que todas as constatações que ele quer fazer aparecer na peça.
  • É fácil fazer – diz tudo o que se precisa dizer, brincando, como numa festa onde a mentira é proibida.
Nota: É fácil fazer é o nome da peça infantil que estávamos construindo. E que se tratava exatamente da construção de uma casa.

Reconstituição do que aconteceu desde o início do curso

Sábado, 18-9-76

Havíamos combinado na aula de sexta-feira que se faria um mutirão neste sábado para datilografar os textos que surgiram e o que mais? Fazer uma reconstituição de tudo que aconteceu desde o início do curso.

Combinamos nos encontrar às 9 horas de hoje, aqui no Departamento de Comunicação. Quem apareceu? Eu apareci, depois o Felipe. Ficamos conversando sobre o que? Conversamos sobre os feriados deste ano. Todos estão caindo numa terça-feira. O Felipe me disse que ele e mais alguns (da turma que faz a Oficina) dormiram na casa do Cláudio. Teve uma festa de aniversário do filhinho do Cláudio. Depois beberam muito e acabaram ficando por lá. Antes o pessoal já havia bebido num barzinho aí da Asa Norte (Botequim). O Chico teve lá – no bar.

A Bia chegou. Será que o Chico vem? Já são quase nove e meia. Ele nunca se atrasa. A gente vai embora? Esperemos mais um pouco. Vamos telefonar pra ele. E o telefone?

O Chico chega. De camisa estampada. Atrasou-se porque esteve na Biblioteca. Fazendo o que? Só pode ser coisa pra TJT. Mandou a gente se informar a respeito da Biblioteca. A gente se informa. E ele também. A gente trabalha. Ele também. Quem diria que ele faz todas as tarefas que pede pra gente fazer. Acreditem, ele faz. Não para de pensar um instante sobre o que está fazendo ou pedindo para se fazer. Pediu pra turma de TJT fazer o trabalho sobre Biblioteca. A gente pensou que ele havia parado nisso. Parou? Encontrei com o Serginho e ele me contou que o Chico já ta pensando em pedir pra se fazer uma reportagem sobre a Universidade. A matéria sobre a Biblioteca será apenas uma parte desta reportagem.
Ninguém mais chegou para o trabalho que havia sido combinado pra hoje:
  • Datilografar os textos
  • Reconstituir nossa experiência
Que faremos?

Chico: Faremos o que se pode fazer. Somos poucos. Faremos o que for possível.
É possível reconstituir o que aconteceu desde o início do curso? Vamos ver:

Antes de iniciar o curso: A preparação

  • Se pensou dar o curso no Centro Olímpico (CO) não foi possível. 
  • Se pensou fazer muita coisa que não foi possível por não se ter local, por causa do calor, do futebol. A fita que levei ontem explica bem. Podemos copiar a fita.

11/08 Quarta-feira - Houve a apresentação das pessoas.
13/08 Sexta-feira - Discussão sobre o que é Teatro? Infantil? Como começar?
16/08 Segunda - Exercícios.
18/08 Quarta - Exercícios, construção da casa.
20/08 Sexta - tarefa: Reconstituir o que se passou.
23/08 Segunda - não houve aula, morte de JK.
25/08 Quarta – Apresentação das primeiras tentativas de se reescrever a experiência.
27/08 Sexta – Apresentação do texto do Carlos que foi a reunião dos textos apresentados na quarta.
28/08 Sábado – O pessoal se reune e datilografa o texto.
30/08 Segunda- Apresentação do texto mimeografado, divisão da sala em grupos pra se acrescentar coisas ao texto.
31/08 Terça – Houve uma reunião de pessoas de cada grupo para se unir as propostas.
01/09 Quarta – Tentativas de se apresentar a peça.
03/09 Sexta – Representaram novamente a peça. Leitura dum texto “Existe uma nova criança” do livro “A menina que buscava o sol”. Decidiu-se:
  • que se deveria ler mais literatura infantil (Cecília Meireles).
  • que se entrevistasse quem entendesse crianças: as mães, por exemplo.
  • que se pensasse sobre criança.
06/09 Segunda – Se pensou no que se faria para amolecer o texto. Foram lidas poesias de Cecília Meireles. Cantaram canções de rodas.
08/09 Quarta – A Cida trouxe canções gravadas. Foram ouvidas. A turma naturalmente se dividiu em dois grupos. Um ficou fazendo exercícios de como deveriam ser as brincadeiras da peça. O outro ficou conversando sobre o texto. Foi pedido que cada um sozinho ou em grupo fizesse um texto.
10/09 Sexta – Seriam lidos os textos que haviam sido feitos. Mas surgiu uma discussão que levou todo o tempo da aula. Os principais envolvidos: Chico X Cida, Antônio e Gustavo.
13/09 Segunda – Foram colocados no quadro os objetos do curso. Foi lida a peça de Cida.
15/09 Quarta – Foram lidos os textos: Daniel e Márcia; Clara e Angela e uma proposta de síntese. Discussões contra a maneira como foram feitas as peças: plagiando, copiando, pescando, etc.
17/09 Sexta – Apresentação da fita gravada: Chico falando sobre o curso.
18/09 Sábado – O pessoal se reuniria para datilografar os textos e reconstituir a experiência.

A partir desta reconstituição inicial, fizemos uma com mais dados. O Chico vai datilografar e levar mimeografado pra turma na segunda. Nossas conversas foram sobre o que aconteceu na quarta e na sexta-feira, quando houve as reações do carlos, do Antônio e da Laurete.

Carlos: “Tô achando essa peça babaca. Tamos pensando o tempo todo que as crianças são idiotas e estúpidas. Esse negócio de plagiar, copiar o que já foi feito não tá com nada.”

Antônio: “Acho tudo isso muito facista e sacana." ( depois que o Chico leu o que havia escrito enquanto as peças estavam sendo lida e durante a discussão das pessoas contra a peça)

Ana: “Acho que não se deve abandonar como se abandonou o texto original.”

Chico: O que é facista e sacana? Eu? O que eu li? As peças?

O significado das coisas é a relação delas com outras coisas.

- continuação do post anterior -

19. Uma ilusão primária, grosseira, uma ignorãncia achar que é possível decifrarmos a própria produção, entender o que ela está dizendo. Nos cabe, sim, incessantemente voltarmos sobre as coisas que fizemos ou estamos fazendo porque são inesgotáveis, infinitas. Há muito conhecimento nelas. Há muitas lições a dirar desses produtos. É uma ignorância muito grande pensar fazer alguma coisa com um determinado sentido. Uma ingenuidade maior ainda porque as coisas são inesgotáveis. Elas não têm significado em si. O significado das coisas é a relação delas com outras coisas. E elas mudam, as coisas todas mudam a todo instante, exatamente pelo efeito dessas relações , por efeito das comparações, por efeito da existência delas, da possibilidade que têm de se relacionarem.

20. As coisas gastam-se. Trocam energia. Mudam. E a exibição que fazemos de uma coisa é a exibição desse processo de mudança, é um objeto a conhecer. É um objeto que se transforma e, ao mesmo tempo, transformador. Também era sobre isso que eu tinha pensado e dessa forma. Mas posso pensar de outro jeito. Mas não agora,

Fim da transcrição

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Precisamos nos valer do auxílio do acaso...

- continuação do post anterior -

12.
Queria fazer aqui uma revisão do que a gente fez nesse curso. Isso desde os primeiros encontros. E desde quando eu, por exemplo, pensava sobre teatro em outros locais antes de vir para Brasília e mesmo pensava sobre outras coisas , não só sobre teatro. O que me levou e o que nos leva a pensar sobre Teatro é - tenhamos ou não consciência disso - o nosso pensamento geral da coisas e não só o pensamento, mas a nossa ação, a nossa vida espontânea. As coisas que aconteceram diante de nós e as coisas que a gente fez nos dão um posição ou posições diferentes, modos de pensar e de fazer diferentes. E o que nos pode juntar são essas nossas diferenças. Então, eu quero ver se eu consigo fazer esse esforço de pensar as coisas pra gente poder conversar.

13. Eu vim aqui para este curso como vim pra Brasília, como aos lugares que eu vou. Eu vim muito inquieto, insatisfeito. Mas a esperança me traz sempre. A esperança me trouxe. E uma certa confiança nos outros. Mas não é uma confiança ingênua, é uma confiança bem desconfiada. Então, cheio de críticas. Eu acredito em fazer as coisas. Eu me venho, venho fazer as coisas, eu me chego às coisas, eu me venho, né? E tento fazer dentro desse conflito horroroso que é um descrédito e, ao mesmo tempo, uma confiança, uma esperança. Tenho de resolver muitas oposições. E, uma forma de resolvê-las é nessa coisa que, provisoriamente, podemos chamar Teatro.

14. O que nós fizemos aqui foi propor a idéia de fazer teatro fazendo; que esse teatro tivesse relações com a cultura brasileira; que tivesse relação com o processo educacional, com o processo artístico e se idenficasse com outras manifestações semelhantes, próximas. Ou que guardasse relação com coisas dessemelhantes e distantes. Que fosse um objeto da mesma realidade de onde é extraído e de onde é recolocado, que fosse uma recomposição de alguns componentes da nossa cultura. O teatro que eu estava pensando seria isso.

15. E como a gente juntaria os dados desse teatro? Primeiro, nos situando numa ignorância deliberada. A gente se despediria de todas as técnicas, de todos os aprendizados, de todas as convicções e certezas. E, inocentes diante do fenômeno, começaríamos a investigar ou a procurar auxílio de algumas coisas que estivessem ao nosso alcance. O auxílio de uma sala, o auxílio de um horário, o auxílio principalmente dos acasos. Como o da apresentação de ontem, que foi um acaso. Não estava absolutamente programada. Ao contrário, até se programou para que não houvesse, mas acabou acontecendo. A consciência da apresentação foi depois dela, não antes. A gente não sabia que se iria apresentar, pensava até que não. Então, podemos também nos valer desse auxílio do acaso. O acaso é um grande organizador das coisas. Precisamos estar preparado para os acasos. Se a gente entra numa de fazer teatro, a gente precisa estar constantemente preparado e para isso buscar esses auxílios constantemente.

16. Nos lembramos aqui que deveríamos fazer umas leituras para nos reposicionar dentro da Cultura Brasileira, dentro da Fala Brasileira, dentros dos Assuntos Brasileiros, dentro da Arte Brasileira. Então, deveríamos ler uns poetas, ler sobre crianças, ler sobre teatro, ler teatro, ler poesia e ler sobre poesia, sobre gente. Sobretudo, procurar que essas leituras sejam inteligentes e não se dêem apenas nos livros. Essa operação de leitura que eu digo é a remontagem constante, incessante dos dados ao nosso alcanc.

17. Abrir bem as portas dos sentidos, escancará-las. deixar que entre tudo, não selecionar nada e depois verificar. Deixar entrar e só depois verificar. Não selecionar as entradas. Não escolher. Não preferir. Deixar acumular. E aí, essa preferênca, essa escolha vai se dar orgânicamente e não orgnizadamente. Essas coisas tomarão uma estrutura própria que lhe é devida, que é do tamanho, da forma e do alcance dos dados que a gente tiver.

18.
Nós teremos, então, a sabedoria da nossa sabedoria. Nós teremos um ideal de sabedoria para fingir ou para se assemelhar, ou pra imitar. Abrimos as portas dos sentidos e deixamos entrar tudo. Tomamos contato com as coisas. Respiramos. E essas coisas dentro e fora de nós se organizam constantemente. E o nosso processo de intervenção nessas coisas será mais fácil, mais amadurecido, mais rico porque ele consistirá na descoberta continuada, ininterrupta da forma orgânica que essas coisas tomarão. E o ato de mostrá-las, de exibí-las , de produzir coisas é exatamente o ato de desmanchar essa nossa organização. É o de tirá-la do repouso. É o ato de devolver esses cacos de lembranças, esses farelos, esses fragmentos que tomam também, ao saírem de nós, uma nova estrutura a qual nós devemos também decifrar.

Repetição, o perigo das coisas que dão certo...

- continuação do post anterior -

10.
O perigo das coisas que dão certo é a tendência natural de repetí-las. O que dá certo pede repetição. E a repetição substitui o lugar de outras coisas que poderiam ser inventadas. Então, estamos em face desse perigo: de querer repetir esse processo mecanicamente, o que é um engano porque não se consegue. Mas se arremeda. Esse ideal de repetir o processo ocupa o lugar de outros processos, de outras invenções.

11. Outra lição que tiramos do que fizemos é que essa coisa é efêmera e de uma ocasião. Ela pertence a uma ocasião. Pertence a um instante. Pertence a uma momento. Em outra vez que fizermos teatro, temos que nos por , de novo, novos. De novo crianças. De novo ignorantes e procurarmos perceber as regras daquele instante, daquele fazer. O que a gente conseguiu com o teatro que fizemos não é de modo algum a permanência do processo pelo qual conseguimos fazê-lo. Mas, sim, a sabedori de abandonar esse processo, de perceber que esse processo é insatisfatório mesmo para uma vez, para uma ocasião, para um instante; que ele não deve ser repetido de propósito porque apenas demonstrou que é possível fazer teatro.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Nos ensaios, o processo do fazer...

Continuação do post anterior

7. O teatro que nós descobrimos fazer, que nós fizemos fazendo, aquela apresentação, é um objeto para refletirmos longamente sobre ele. Ele não parou. Nós ensaiamos uma peça durante muito tempo ou tentamos ensaiar. Ensaiamos, portanto. Tentamos fazer. Aquela perturbação toda que nos inquietava nos ensaios, que inquietava a mim principalmente, eu apenas a joguei fora quando o espetáculo se realizou. Eu perdi aquela inquietação. Ou melhor, troquei aquela inquietação por outras: será que eu consigo esgotar aquilo que houve? será que eu consigo pensar sobre o que fizemos? será que eu consigo me aproveitar disso que esteve lá, que botei em cena? Essas são agora as minhas inquietações.

8. A inquietação que eu tinha durante os ensaios era se nós estávamos ou não ensaiando; se estávamos ou não preparando a peça. Aquelas perturbações todas, aquela energia toda gasta, aquela direção que nós mudávamos a todo instante, aquilo foi a melhor coisa e , ao mesmo tempo, o que nos inquietava e nos incomodava. Então, a outra lição é a lição do incômodo, desse estado de perturbação. Não devemos ter medo desse incômodo, desse estado de perturbação. Não é só o público que pertuba o espetáculo. Também nós nos pertubamos constantemente ao ensair o espetáculo, que passa a ser também resultado dessa nossa pertubação. Então, essa pertubação, esse incômodo que é o espetáculo, é exatamente a coisa, é exatamente a arte, é exatamente o fazer. É exatamente o aprendizado, o conhecimento.

9. A partir do momento que o espetáculo aconteceu, perdi aquela perturbação, aquele incômodo. A qualidade do meu incômodo agora é outra. Meu incômodo é com a tarefa de perceber o que foi feito e tirar lições disso. Então, estou procurando tirar essas lições e ver se me fixo em algumas coisas. Estou perturbado com isso. Como eu dizia, ensaiamos muitos dias e mudamos muito o que fazíamos. Discutimos muito e muita energia foi gasta nessas discussões. Eu acho que desse local das nossas pertubações podemos fazer coisas como o espetáculo de ontem e outras coisas mais. Trocamos os movimentos, mas permaneceu a energia que nos indicava vários movimentos, várias gravitações no palco, várias marcações e, ao mesmo tempo, mudanças nos movimentos, nas marcações. Aquela energia de todos os dias de fazer e desmanchar foi esquentando a nossa possibilidade. Foi nos facilitando, foi nos dando a posição de poder fazer uma peça apenas com o texto e com marcações escolhidas na ocasião. Houve um certo espontaneismo. Agora estou pensando sobre o que isso produzirá na gente. Podemos dizer que adquirimos um processo de trabalho que deu certo.


Oficina de Teatro e Dança
UnB/1976

PerturbaçãoX participação

Continuação do post anterior:

4. Quando o público assiste um espetáculo, passa a dirigí-lo. Então, com tal percepção perde-se a noção de espetáculo perturbado. Nunca é perturbação. É legítimo qualquer coisa que o público faça. Me parece que o que não é legítimo é esperar um comportamento do público. Contar com ele. Um espetáculo que espere um comportamento do público já foi mostrado, já existiu. Não precisará se mostrar outra vez porque será repetição, que é a natureza do cinema.

5. O filme está guardado dentro de uma lata, fixo, impertubável. Mas a natureza de um espetáculo me parece ser a perturbação que o público causa nele. Perturbação que o modifica, que o dirige, o redireciona, que dá sentido a ele. Expectativas sobre o resultado do espetáculo me parecem uma ingenuidade.

6. Eu estive lendo o Zé Vicente - a peça dele, O assalto, está aí na cidade - e o Zé Vicente falou algumas coisas que estão próximas do que eu penso, o que me deixa também próximo do que ele pensa. Troquei algumas idéias com o Zé Vicente. Ele diz que não sabe o que é teatro, que não é teórico das coisas que faz. Mas que tem noção de que o espetáculo é um ato litúrgico, é uma religião, uma igreja, uma cerimônia, é uma celebração. Então é isso: celebramos diante das pessoas e as pessoas participam desse celebração.

Oficina de Teatro e Dança

UnB 1976


Ensaio X Espetáculo

Em 1976 eu e minha recém amiga Bia nos matriculamos na matéria optativa 'Oficina de Teatro e Dança'. O professor era Francisco Pontes, o Chico, que fazia mestrado, na época. Nesta oficina nos propusemos a encenar Os três Médicos de Martins Pena e organizar um musical.

O que vai abaixo é a transcrição de uma fita que gravei do Chico fazendo uma reflexão sobre o que havia acontecido no curso, que já caminhava para o final. Vou postar por partes sempre numerando os parágrafos para facilitar alguma revisão ou comentário adicional.

1. Será que eu poderia fazer de conta que essa organização das minhas idéias serve para alguma coisa? Eu estive pensando sobre a apresentação que a gente fez ontem aqui. Aquela coisa que a gente não sabe se foi ensaio, se foi uma apresentação. E que diferença há entre ensaio e apresentação? Para mim parece ter ficado claro, e eu estou gostando dessa idéia, que a diferença é a presença do público. É a presença de pessoas assistindo. É esse elemento do ritual que chamamos de montagem o que falta no ensaio. O público num ensaio é a cabeça do diretor, é a consciência dos atores de que esse ritual só se completa com a presença do público. Então, não podemos de chamar de ensaio, se há público.

2. Outra coisa também que gostei de pensar depois do espetáculo de ontem, e durante também, é a idéia de que um espetáculo toma a direção que o público dá a ele. A presença do público, o comportamento do público impõe ao espetáculo uma direção, uma qualidade. Um espetáculo nunca é o mesmo e isso depende do público. O público dá essa direção.

3. Quer dizer, eu perdi a noção do que é ensaio, do que é o ritual do espetáculo propriamente dito, mas ganhei a noção de que a montagem da peça, do espetáculo é a presença do público. Em seguida, eu perco a noção do que é direção, do que é diretor e passo a ver de outro modo: o diretor é o público. No ensaio, o diretor está substituindo o público. Então, chamamos de ensaio quando o espetáculo está sendo dirigido por uma pessoa só, que substitui o público. Mais ou menos isso e essa idéia não é nova.

Oficina de Teatro e Dança
UnB 1976

Cadernos de anotações

Mesmo antes de ser jornalista, tinha essa mania de anotar em tempo real ou posteriormente o de mais relevante no meu dia.
Não tenho como propósito organizar essas anotações neste blog. Elas vão aparecer aqui à medida que forem resgatadas. Poderão ganhar estrutura, a partir de exercícios de reflexão sobre aqueles tempos de Universidade de Brasília. Vamos ver onde isso vai dar!.