quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Nos ensaios, o processo do fazer...

Continuação do post anterior

7. O teatro que nós descobrimos fazer, que nós fizemos fazendo, aquela apresentação, é um objeto para refletirmos longamente sobre ele. Ele não parou. Nós ensaiamos uma peça durante muito tempo ou tentamos ensaiar. Ensaiamos, portanto. Tentamos fazer. Aquela perturbação toda que nos inquietava nos ensaios, que inquietava a mim principalmente, eu apenas a joguei fora quando o espetáculo se realizou. Eu perdi aquela inquietação. Ou melhor, troquei aquela inquietação por outras: será que eu consigo esgotar aquilo que houve? será que eu consigo pensar sobre o que fizemos? será que eu consigo me aproveitar disso que esteve lá, que botei em cena? Essas são agora as minhas inquietações.

8. A inquietação que eu tinha durante os ensaios era se nós estávamos ou não ensaiando; se estávamos ou não preparando a peça. Aquelas perturbações todas, aquela energia toda gasta, aquela direção que nós mudávamos a todo instante, aquilo foi a melhor coisa e , ao mesmo tempo, o que nos inquietava e nos incomodava. Então, a outra lição é a lição do incômodo, desse estado de perturbação. Não devemos ter medo desse incômodo, desse estado de perturbação. Não é só o público que pertuba o espetáculo. Também nós nos pertubamos constantemente ao ensair o espetáculo, que passa a ser também resultado dessa nossa pertubação. Então, essa pertubação, esse incômodo que é o espetáculo, é exatamente a coisa, é exatamente a arte, é exatamente o fazer. É exatamente o aprendizado, o conhecimento.

9. A partir do momento que o espetáculo aconteceu, perdi aquela perturbação, aquele incômodo. A qualidade do meu incômodo agora é outra. Meu incômodo é com a tarefa de perceber o que foi feito e tirar lições disso. Então, estou procurando tirar essas lições e ver se me fixo em algumas coisas. Estou perturbado com isso. Como eu dizia, ensaiamos muitos dias e mudamos muito o que fazíamos. Discutimos muito e muita energia foi gasta nessas discussões. Eu acho que desse local das nossas pertubações podemos fazer coisas como o espetáculo de ontem e outras coisas mais. Trocamos os movimentos, mas permaneceu a energia que nos indicava vários movimentos, várias gravitações no palco, várias marcações e, ao mesmo tempo, mudanças nos movimentos, nas marcações. Aquela energia de todos os dias de fazer e desmanchar foi esquentando a nossa possibilidade. Foi nos facilitando, foi nos dando a posição de poder fazer uma peça apenas com o texto e com marcações escolhidas na ocasião. Houve um certo espontaneismo. Agora estou pensando sobre o que isso produzirá na gente. Podemos dizer que adquirimos um processo de trabalho que deu certo.


Oficina de Teatro e Dança
UnB/1976

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