quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Precisamos nos valer do auxílio do acaso...

- continuação do post anterior -

12.
Queria fazer aqui uma revisão do que a gente fez nesse curso. Isso desde os primeiros encontros. E desde quando eu, por exemplo, pensava sobre teatro em outros locais antes de vir para Brasília e mesmo pensava sobre outras coisas , não só sobre teatro. O que me levou e o que nos leva a pensar sobre Teatro é - tenhamos ou não consciência disso - o nosso pensamento geral da coisas e não só o pensamento, mas a nossa ação, a nossa vida espontânea. As coisas que aconteceram diante de nós e as coisas que a gente fez nos dão um posição ou posições diferentes, modos de pensar e de fazer diferentes. E o que nos pode juntar são essas nossas diferenças. Então, eu quero ver se eu consigo fazer esse esforço de pensar as coisas pra gente poder conversar.

13. Eu vim aqui para este curso como vim pra Brasília, como aos lugares que eu vou. Eu vim muito inquieto, insatisfeito. Mas a esperança me traz sempre. A esperança me trouxe. E uma certa confiança nos outros. Mas não é uma confiança ingênua, é uma confiança bem desconfiada. Então, cheio de críticas. Eu acredito em fazer as coisas. Eu me venho, venho fazer as coisas, eu me chego às coisas, eu me venho, né? E tento fazer dentro desse conflito horroroso que é um descrédito e, ao mesmo tempo, uma confiança, uma esperança. Tenho de resolver muitas oposições. E, uma forma de resolvê-las é nessa coisa que, provisoriamente, podemos chamar Teatro.

14. O que nós fizemos aqui foi propor a idéia de fazer teatro fazendo; que esse teatro tivesse relações com a cultura brasileira; que tivesse relação com o processo educacional, com o processo artístico e se idenficasse com outras manifestações semelhantes, próximas. Ou que guardasse relação com coisas dessemelhantes e distantes. Que fosse um objeto da mesma realidade de onde é extraído e de onde é recolocado, que fosse uma recomposição de alguns componentes da nossa cultura. O teatro que eu estava pensando seria isso.

15. E como a gente juntaria os dados desse teatro? Primeiro, nos situando numa ignorância deliberada. A gente se despediria de todas as técnicas, de todos os aprendizados, de todas as convicções e certezas. E, inocentes diante do fenômeno, começaríamos a investigar ou a procurar auxílio de algumas coisas que estivessem ao nosso alcance. O auxílio de uma sala, o auxílio de um horário, o auxílio principalmente dos acasos. Como o da apresentação de ontem, que foi um acaso. Não estava absolutamente programada. Ao contrário, até se programou para que não houvesse, mas acabou acontecendo. A consciência da apresentação foi depois dela, não antes. A gente não sabia que se iria apresentar, pensava até que não. Então, podemos também nos valer desse auxílio do acaso. O acaso é um grande organizador das coisas. Precisamos estar preparado para os acasos. Se a gente entra numa de fazer teatro, a gente precisa estar constantemente preparado e para isso buscar esses auxílios constantemente.

16. Nos lembramos aqui que deveríamos fazer umas leituras para nos reposicionar dentro da Cultura Brasileira, dentro da Fala Brasileira, dentros dos Assuntos Brasileiros, dentro da Arte Brasileira. Então, deveríamos ler uns poetas, ler sobre crianças, ler sobre teatro, ler teatro, ler poesia e ler sobre poesia, sobre gente. Sobretudo, procurar que essas leituras sejam inteligentes e não se dêem apenas nos livros. Essa operação de leitura que eu digo é a remontagem constante, incessante dos dados ao nosso alcanc.

17. Abrir bem as portas dos sentidos, escancará-las. deixar que entre tudo, não selecionar nada e depois verificar. Deixar entrar e só depois verificar. Não selecionar as entradas. Não escolher. Não preferir. Deixar acumular. E aí, essa preferênca, essa escolha vai se dar orgânicamente e não orgnizadamente. Essas coisas tomarão uma estrutura própria que lhe é devida, que é do tamanho, da forma e do alcance dos dados que a gente tiver.

18.
Nós teremos, então, a sabedoria da nossa sabedoria. Nós teremos um ideal de sabedoria para fingir ou para se assemelhar, ou pra imitar. Abrimos as portas dos sentidos e deixamos entrar tudo. Tomamos contato com as coisas. Respiramos. E essas coisas dentro e fora de nós se organizam constantemente. E o nosso processo de intervenção nessas coisas será mais fácil, mais amadurecido, mais rico porque ele consistirá na descoberta continuada, ininterrupta da forma orgânica que essas coisas tomarão. E o ato de mostrá-las, de exibí-las , de produzir coisas é exatamente o ato de desmanchar essa nossa organização. É o de tirá-la do repouso. É o ato de devolver esses cacos de lembranças, esses farelos, esses fragmentos que tomam também, ao saírem de nós, uma nova estrutura a qual nós devemos também decifrar.

Nenhum comentário: